O dr. Nuno Melo considera que “alguns ficarão chocados” por ele defender “igualdade de direitos entre homens e mulheres”; e “espera que também não fiquem chocados” por ele defender “salários condignos” e “auxílio aos mais necessitados”. O dr. Nuno Melo receia “chocar” a plateia dele, mas não receia que os jornalistas e os eleitores imaginem que o CDS pensa como ele, e interpreta o país como ele, e no final produza estas puerícias e as confunda com declarações políticas. Alguém tem de explicar ao dr. Nuno Melo que ninguém em Portugal, nem nenhum partido, da ponta esquerda à ponta direita, discorda dele. Pelo menos há 40 anos. Ele que procure e faça o favor de nos vir mostrar o indivíduo que, no espaço do debate público, defenda direitos diferentes para homens e mulheres, ou salários indignos, ou que os mais necessitados devem permanecer sentados na borda do passeio.

É uma inclinação esquisita que dá nos putativos candidatos ao lugar de Francisco Rodrigues dos Santos, já o dr. Mesquita Nunes se apresentou com a ideia “chocante” de “desenvolver a economia sem deixar ninguém para trás”. Também não percebeu que uma ideia só é política e só é relevante se tiver um potencial de oposição. Quando toda a gente concorda, não é política – e dificilmente é uma ideia –; mais depressa se trata de um facto, ou de um desejo.

De resto, o edifício político e filosófico do dr. Nuno Melo fica representado na excentricidade com que ele escolhe 15 áreas estratégicas e convida 150 “personalidades” para lhe escreverem (ou ditarem) a moção que vai apresentar ao Congresso. O dr. Nuno Melo nunca precisou de desenhar uma estratégia (sempre o dr. Paulo Portas as desenhava por ele), caso contrário sabia que nenhuma tem mais do que quatro ou cinco pontos. E por uma razão simples: uma estratégia é um ordenamento hierárquico de prioridades; alinhar tudo no primeiro lugar equivale a não escolher nada. Ou seja, não há estratégia. Ou seja, o dr. Nuno Melo não faz ideia do que quer, para o CDS ou para Portugal.

E as 150 personalidades. Nenhum documento, nenhuma política, nenhuma ideia de país pode ser construída com base no que pensam e dizem 150 pessoas. Imagina o dr. Nuno Melo que as notabilidades vão pensar por ele, em menos de dois meses, aquilo que ele próprio não conseguiu pensar nos anos que leva de CDS. Imagina também que é possível estas pessoas destilarem 150 pensamentos diferentes numa única perspectiva, acertada e coerente. O dr. Nuno Melo quer que pensem por ele, que escrevam por ele, e quer diluir as responsabilidades. Quer deixar de não perceber em Bruxelas para vir não perceber no Largo do Caldas.

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