A de Atenas
Fui com a Rute a Atenas e, como aqui escrevi, é uma cidade inesquecível e maravilhosa.
B de Balcãs
Sim, alguns dos estereótipos dos filmes do Emir Kusturica confirmam-se mas o melhor é o que, indo além dos estereótipos, nos fascina naquele povo temperamental e tocante.
C de comboio
Uma boa parte da pouca paz de espírito que tenho deve-se ao tempo que gasto dentro de comboios. Neles leio mais, observo mais, isolo-me menos. É justo mencionar ainda o eléctrico que, frequentado entre Santos e o alto da Rua de São Domingos, alegra sempre os meus dias.
D de discos que me acompanharam (editados em 2024)
“Bright future” da Adrianne Lenker
“The great american bar scene” do Zach Bryan
“Romance” dos Fontaines D.C.
“Here in the pitch” da Jessica Pratt
“Wild God” do Nick Cave & the Bad Seeds
“Wall of eyes” dos The Smile
“Disco tinto” do Éme
E de Espanha
A Andaluzia é linda e os espanhóis conquistam cada vez mais espaço no meu coração.
F de filmes (que marcaram o meu ano independentemente de quando foram feitos)
“Paths of Glory” do Stanley Kubrick
“Speak no evil” de Christian Tafdrup
“As bestas” de Rodrigo Sorogoyen
“First Reformed” do Paul Schrader
“Fé não fingida” de Welligton Filho
“Retratos Fantasmas” do Kleber Mendonça Filho
“Soft & quiet” de Beth de Araújo
“I walked with a zombie” do Jacques Tourneur
“Mads” de David Moreau
“What’s eating Gilbert Grape?” de Lasse Halstrom
G de graça
Acreditar na graça é a convicção que mais despesa faz na minha vida.
H de homens ao meu lado
Neste ano chegou ao fim o tempo em que o Pastor Mark Bustrum serviu ao meu lado na Igreja da Lapa (a sua família regressou aos Estados Unidos depois de mais de 15 anos de trabalho missionário em Portugal). Faz-me muita falta. Permanece o Filipe Sousa como meu companheiro de Presbitério. Juntam-se a nós como candidatos a futuros pastores o Newton Rodrigues e o João Silva, já destacados na abertura de uma nova comunidade em Algés. Contar com estes homens é uma alegria.
I de iconoclasta conservador
Sou um iconoclasta conservador e eventualmente um conservador iconoclasta. Esta mistura é algo disfuncional, o que não deixa de sublinhar alguma verdade profunda acerca de quem sou.
J de jantar de Natal
Acho uma pena o Observador não fazer um jantar de Natal para os seus colunistas. Gostava mesmo.
K de kapa
O kapa é uma letra com muito pouco uso para um português rezingão como eu.
L de livros (que marcaram o meu ano sem serem editados nele)
“Helter Skelter” do Vincent Bugliosi
“Simulacros e simulações” do Jean Baudrillard
“O retrato de Dorian Gray” do Oscar Wilde
“Desculpem tocar no assunto” do Rubem Braga
“A ética protestante e o espírito do capitalismo” do Max Weber
“Depois de Deus” do Peter Sloterdijk
“A Village Life” da Louise Gluck
“Reading Genesis” da Marilynne Robinson
“Contos” de Tchékhov
“A herança perdida” do James Wood
M de mar
Em 2024 contei 130 vezes que mergulhei no mar (menos 11 do que no ano passado). Dá uma média de uma ida ao oceano a cada 2,8 dias.
N de noivos
Acompanhar noivos na preparação para o casamento é muito bom. Este ano a Heloísa e o Raffael precisaram da ajuda da Igreja da Lapa para casarem em menos de três semanas, por conta das típicas complicações burocráticas que um casal estrangeiro enfrenta. A comunidade empenhou-se e fez acontecer, lembrando que uma história de amor pede mais do que um romance entre dois apaixonados—quanto mais o casamento precise do povo à volta dele, mais forte se torna para o futuro. Os divórcios também se explicam a partir da idealização do “amor e da cabana”.
O de “Os três não de Deus”
Escrevi um livro novo que será editado com este título. Ampliei um sermão que ganhou mais eco e que, de algum modo, resumiu alguns dos assuntos a que me tenho dedicado mais nos últimos anos. Assim muito rapidamente, propõe uma alternativa ao discurso de reencantamento do mundo que tem fascinado tantos cristãos ultimamente. Não, os cristãos não são chamados a vitórias culturais por conta de re-sobrenaturalizar o cosmos (apesar de eu não ser necessariamente contra quando isso acontece): os cristãos precisam, sim, de se satisfazerem na palavra, com todas as fomes provisórias que essa dieta ainda implica. Infelizmente, a edição será por enquanto exclusiva no Brasil.
P de política
Quem procurar um alfabeto diferente da política tem dificuldades em fazer-se entender. Essa é hoje uma das maiores tristezas, a da tentativa de monopólio que a ideologia tenta sobre as conversas do povo. A política é uma parte importante do que somos, claro. Mas a vida que há além dela é maior e mais promissora do que as divisões que ela tão eficazmente nos tem imposto.
Q de quarto de século
A FlorCaveira chega aos 25 anos. Apesar de ter começado em 1999, é só em 2025 que vamos celebrar-lhe condignamente esta data. Planeamos mais concertos, o primeiro festival no Brasil (em São Paulo, já a 7 e 8 de Março próximo), artistas da nova geração e os clássicos do costume. Juntem-se no próximo ano a esta(s) festa(s).
R de redes sociais
Mais um ano passa e em mais um ano lamento estar num tempo de omnipresença das redes sociais. Queria lá não estar mas ainda não me sinto forte a esse ponto. Por outro lado, seria injusto esquecer tantos encontros valiosos que nelas ganharam pretexto.
S de shows
Envaideço-me quando afirmo que ir a concertos hoje pouco me fascina. Creio que não ser atraído por espectáculos confirma o conservador iconoclasta ou o iconoclasta conservador que gosto de ser. Mas reconheço que três concertos este ano me marcaram: a Selma Uamusse no CCB, o Samuel Úria no São Luiz e o Nick Cave no Pavilhão Atlântico (este último ainda está muito comigo, já meses depois).
T de taxa de natalidade
2024 começou com uma história triste na Igreja da Lapa do bebé Josué que morreu no parto (escrevi sobre ela aqui). Interessa notar isso porque não vivemos no paraíso e até gerar vida pode significar gerar morte. Mas, graças a Deus, este ano foi cheio de crianças ao colo tornando o momento em que oramos por elas no serviço de culto algo habitual. É fantástico quando uma Igreja nos dá o mundo ao contrário como solução para ele: num país em que as pessoas se multiplicam tão pouco por viverem com mentalidade de cativeiro, há espaços em que a fé se vê em bebés feitos.
U de Universidade
Este ano fui convidado pelo programa em Teoria da Literatura da Faculdade de Letras de Lisboa para uma conversa. Decidi-me pelo assunto de “Ensinar a Europa a pecar”. Gostei tanto que vou tentar tornar em livro a experiência.
V de vinte e dois anos de casamento
Num casamento, um ano não tem de ser igual ao outro. A Rute começou a acompanhar-me em mergulhos no mar além do Verão e tem vindo a ganhar o próprio ritmo dela. Curiosamente, passa mais tempo na água do que eu. Por esta não esperava. O melhor do casamento também é dar-nos muito além do que esperávamos. A pessoa com quem casei em 2002 já foi há muito ultrapassada por esta de 2024 (e espero que a Rute possa dizer o mesmo…).
W de WhatsApp
Ano após ano e não me livro deste dilema que é andar no WhatsApp. Em 2024 a consoada da família alargada da parte da minha mãe, os Oliveiras, sobreviveu ao seu próprio canal de WhatsApp. Foi uma verdadeira façanha porque hoje sabemos que o maior inventor desta aplicação foi o Diabo. A família Oliveira tem vivido décadas de paz, harmonia e festas natalícias previsíveis e agradáveis. Até o Inferno criar o WhatsApp e todo o excesso comunicativo sugerir debates, teimas e até ressentimentos que se ocultavam em épocas pré-digitais. O milagre do Natal da família Oliveira foi ter sobrevivido ao seu canal de WhatsApp.
X de xarope
A bebida intelectual preferida dos portugueses é o xarope. Somos um povo a livrar-se constantemente das pequenas gripes contra as quais nos medicamos. O maior problema da cultura portuguesa é a ausência completa de uma doençazinha genuína de que possa padecer. Os pensadores portugueses nascem tragicamente curados.
Y de you do you
Haverá maldição pior do que essa?
Z de zaragata
Mais de metade da nossa vida na internet é seguir a zaragata que se segue. Somos a geração Z de zaragata. A pessoa que quiser escapar dela será acusada de não ser suficientemente pessoa. O estupendo acesso à informação não nos tornou mais informados mas mais estúpidos. Um dia libertar-me-ei da internet e das desnecessárias zaragatas que ela impõe sobre nós.