A pandemia pode não ter mudado nada estrutural, mas faz ver o mundo de maneira diferente. Muitas coisas, que dantes não reparávamos, são agora vistas melhor, ou pela primeira vez. A morte, por exemplo. De repente, pessoas sadias, bichos de ginásio a transbordar vitalidade, pessoal capaz de imaginar a reforma mas não o estertor, consciencializaram-se que podem vir a morrer na flor da vida e que a morte não tem hora marcada. Que se pode morrer quando menos se espera é algo que não mudou, apenas está a ser redescoberto.

Algo que também não mudou foi a natureza humana, mas o covid-19 tem-nos ajudado a ver melhor as pessoas. A maior parte dos nossos conhecidos eram pessoas vulgares, tão vulgares que por vezes os víamos como indistintos. A maior parte eram profissionais normais, à parte de uns poucos ultracompetentes e de outras tantas nulidades. A inteligência da massa era média, à parte de alguns grandes cérebros e de uns poucos imbecis. A simpatia da maioria era comum, excetuando uma minoria com cordialidade à prova de tudo e de outras tantas bestas anti sociais. O mesmo se diga em relação à honestidade, veracidade, altruísmo e todas as outras características humanas. Quase todos eram classe média em pontualidade, humor e limpeza, para já não referir altura, peso e acuidade auditiva, distribuídos numa curva de Gauss como gerações de cientistas sociais após Adolphe Quetelet (1796—1874) tinham repetidamente comprovado.

O vírus, no entanto, parece ter melhorado a acuidade da nossa visão social. Quantas pessoas, que até agora nos pareciam medianas, passámos a ver como excecionalmente boas? Ou incrivelmente más? Vizinhos, colegas e amigos, o caixa do supermercado e o gestor bancário. O valor médio de cada característica humana pode-se ter mantido inalterado, mas a variância da distribuição parece ter aumentado e a curva achatado. As pessoas parecem ser agora mais diferentes, o que traz novo colorido à vida e torna o mundo mais interessante. Será efeito de Zoom? Curiosamente, a desigualdade aumentou, mas a esquerda não protestou. Que fazer para combater a visivelmente crescente falta de equidade na distribuição de sensatez?

Nada de fundamental mudou. Mas a pandemia oferece-nos uma ocasião única para observar melhor as pessoas e perceber de que estofo são feitas. Uma oportunidade a não perder.

U avtor não segve a graphya do nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nem a do antygo. Escreue como qver & lhe apetece.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR