Faz neste mês de Dezembro quatro anos que a ex-provedora da Casa Pia, Catalina Pestana, nos deixou, vitima de doença prolongada.

Faço questão de lembrar a pessoa extraordinária que para mim foi Catalina, não só como amiga, conterrânea, madrinha, lutadora, educadora, católica, ativista mas também como “cidadã autarca”, uma vez que tive a oportunidade de, quando desempenhei cargos de autarca em Oeiras, a ver a lutar por causas em que fez a sua opinião soar nos órgãos de comunicação social muitas vezes de forma incomodativa.

Não posso deixar de sublinhar, neste quarto ano em que a recordo, após a sua partida, uma pequena história que a própria Catalina Pestana me contou num café da Cruz Quebrada sobre a sua amizade com o músico Zeca Afonso.

Além de o músico revolucionário passar algumas vezes pela Cruz Quebrada, terra onde cresci, e de conhecer Catalina Pestana de várias paragens, os dois andaram juntos pelos caminhos mais longínquos de Portugal aquando da campanha presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho.

Em longas caravanas de carro por aldeias e vilas de Portugal, Otelo, herói do 25 de Abril, era muito festejado, havendo locais onde fazia discursos improvisados perante multidões de gente que o queria ouvir e ver.

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Catalina Pestana e Zeca Afonso, os dois com alguma distância e independência em relação à filiação no PCP, participaram de forma ativa e empenhada.

No decorrer das presidenciais de Otelo, contou-me Catalina Pestana, a amizade entre ela e o músico ia-se aprofundando e num certo dia de campanha iria existir um episódio de certa forma trágico que viria a aproximá-los ainda mais.

Num dia extremamente preenchido em que se deslocavam numa caravana de dezenas de carros, Zeca Afonso e Catalina encontravam-se  em carros diferentes em direção a mais um comício.

Só que o músico, enfastiado da conversa sobre futebol que estaria a existir no seu carro, pediu a Catalina Pestana, numa paragem de estação de serviço, para trocar de carro consigo, uma vez que já não estaria a suportar tamanha discussão entre os seus amigos sportinguistas e benfiquistas.

Catalina Pestana acedeu e a troca de carro fez-se, sem passar pela cabeça de Zeca Afonso o que iria suceder.

Catalina Pestana ocupou o lugar de Zeca Afonso na viatura e, após alguns quilómetros percorridos, Catalina sofreu um grande acidente de carro que a levou a ficar em coma durante algumas semanas.

Felizmente conseguiu recuperar clinicamente, tal como outras vezes na sua vida em que teve grandes sustos, devido à saúde mas principalmente em resultado da sua vontade de viver, que era sempre maior.

Durante este período de coma de Catalina, Zeca Afonso visitava-a várias vezes no hospital e chegou a dizer-lhe posteriormente que de certa maneira se sentia responsabilizado pelo acidente.

É óbvio que Catalina desvalorizou o desabafo de Zeca mas o que é certo é que este episódio triste só fez aprofundar mais a sua amizade durante a vida com Zeca Afonso e já na fase terminal de doença do músico, um pouco em segredo, Catalina Pestana esteve a apoiá-lo, tal como ele lhe tinha feito no passado, com visitas ao hospital e através de um grupo de amigos que o apoiavam de forma monetária para o tratamento da sua doença.

Catalina era assim, uma combatente do silêncio ensurdecedor, uma amiga do seu amigo e uma defensora dos mais fracos e oprimidos, ou não tivesse ela pertencido ao grupo da “Capela do Rato”, juntamente com Bagão Felix entre outros notáveis.

Tive o privilégio de, junto com ela, travar batalhas como a luta pela permanência da carreira 76 da Cruz Quebrada, mas também levando a cabo outras iniciativas inovadoras na democracia local e participativa – por exemplo a sugestão de criação do estatuto de “simpatizante partidário”, tal como o PS fez  posteriormente na disputa interna entre Seguro e Costa.

Catalina, com a sua coragem e com a sua postura arrojada, não se importava de estar sempre à frente.

Penso que é inevitável fazermos algum tipo de comparação com a ex-primeira ministra Maria Lurdes Pintasilgo, uma vez que eram duas mulheres de grande coragem, irreverentes, vindas ambas da Ação Católica, onde o “cuidar dos outros” era sempre uma constante.

O meu desejo neste Natal é que, no futuro, haja mais quem demonstre ter o amor às causas e às pessoas que Catalina e Zeca tinham, nas situações mais difíceis da vida, em que a nossa existência requer solidariedade e caridade.