A palavra agonismo não existe nos dicionários de língua portuguesa e também só a ouvi em inglês, aplicada em contextos sociais, económicos e políticos associados a conflitos que opõem pessoas, ações, ideias ou ideologias. Contextos em que existe algum tipo de supremacia, em que há dominadores e dominados, vencedores e vencidos.

Transposta para o quotidiano, a teoria política do agonismo foi recentemente definida como “assumir uma posição de guerra em contextos que não são literalmente guerra” (Deborah Tannen, professora e linguista norte americana). Traduzida para a realidade atual, sublinha a atitude dos que confrontam, julgam e catalogam todos os que consideram diferentes, gerando preconceitos e estereótipos, excluindo do seu perímetro aqueles que pensam e agem segundo crenças ou convicções opostas às suas.

Mesmo sem estarmos dentro do conceito, percebemos facilmente onde nos leva e damo-nos conta de que é outra espécie de vírus altamente contagioso. Basta olhar à nossa volta, ler os jornais e ver as notícias para perceber que há quem sofra de agonismo crónico. O pior é que se pega sem darmos por isso. Ataca de forma invisível e impalpável. Não testa positivo nem se pode radiografar, mas também deixa sequelas e gera metástases. Metaforicamente, poderíamos falar de uma estirpe muito diferente do coronavírus, mas igualmente capaz de provocar a exclusão, que é um afastamento social ainda maior e mais duradouro.

Sempre que focamos exclusivamente naquilo que nos separa, ou cria divergências entre nós, optamos por desistir da complementaridade e minimizamos as possibilidades de colaboração. Nos partidos e nas empresas, para dar exemplos comuns, é frequente ver descartar ou desvalorizar os que pensam de forma diferente, rotulando os que agem de formas opostas. Em sistemas colaborativos como as organizações profissionais esta linha de ação é recorrente e sabemos que gera muita erosão. O problema é que começa muito antes, nas famílias e nas relações que vamos estabelecendo desde cedo.

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Habituamo-nos facilmente a valorizar mais os que não nos confrontam, consideramos mais inteligentes os que concordam connosco e gostamos especialmente dos que pensam como nós. Achamos natural agir desta forma e nem sequer nos interrogamos sobre o valor que subtraímos aos outros, sempre que os reduzimos à expressão mínima, não os temos em conta ou os deixamos de fora só porque não são como nós.

Tornar absoluta a minha perspetiva e a minha convicção começa por parecer natural, mas acaba por levar a incontáveis becos sem saída. Acontece que absolutizar as ideias, as crenças e os pontos de vista é uma inclinação humana universal, ninguém escapa nem é imune a esta espécie de doença que é o agonismo puro e duro. A única cura possível passa por elevar o nível de consciência social, por apostar na educação e no conhecimento, por cultivar a abertura à diferença e, ainda, por quebrar o mito de que temos que gostar dos outros para nos relacionarmos com eles.

Não temos. Não precisamos de gostar de toda a gente, só temos que nos respeitar uns aos outros independentemente da raça, do credo, das opções políticas, desportivas ou outras. Na verdade, sempre que expandimos a perceção para lá da nossa zona de conforto, descobrimos com surpresa que muitos daqueles que nos parecem estranhos têm, afinal, muito mais a ver connosco do que supúnhamos.

O chamado common ground pode ser, afinal, o elemento-chave para chegar à cura do agonismo. Vimos e voltámos a ver nas redes sociais vídeos eloquentes de experiências feitas para descobrir genes comuns e familiaridades no código genético de pessoas que “naturalmente” se antagonizavam e jamais poderiam imaginar ter alguma coisa a ver com os que evitavam ou tratavam com sobranceria e agressividade. Comovemo-nos com a evidência científica e ficámos mais conscientes de que somos todos mais parecidos do que pensamos, mas é preciso ir além das experiências de laboratório. É urgente agir e mudar de atitude.

Nesta lógica, a imunidade para o vírus do agonismo passa por fazer um esforço consciente para tentar descobrir pontos em comum entre os que nos parecem extraordinariamente diferentes, pois uma vez encontrado este common field tudo se torna mais fácil e possível. Não temos que prescindir das nossas convicções, nem desistir daquilo de que mais gostamos ou nos convém, simplesmente podemos desistir de fazer a guerra e de armar conflitos desnecessários “só” porque o outro é diferente de nós.

No dia em que conseguirmos mudar para sempre este chip, seremos capazes de ir ao fundo do conceito de agonismo para perceber tudo o que encerra e, ao mesmo tempo, revela. Os gregos, na Antiguidade clássica, sabiam que era uma forma de luta e de oposição, mas defendiam que representava também a possibilidade de gerar respeito pelo outro e, até, admiração mútua.

A filosofia do agonismo afirma que a ideia da verdade, da transcendência e da evolução são sempre reforçadas através do confronto de ideias opostas. Nesta lógica, é bom saber desta ambiguidade para nós próprios podermos evoluir apesar dos nossos agonismos e antagonismos.