Vou falar de duas mulheres que esta semana vi no supermercado, ambas ainda novas, ambas com aspecto do que costumamos designar por classe média. A primeira vi de perto, com uma criança no carrinho das compras e o desespero a aumentar à medida que constatava o preço do leite. Ia e vinha ao longo das prateleiras, a verificar cada marca. E repetia o processo. Às tantas, começou a desabafar em voz suficientemente alta. Não eram resmungos, apenas a leitura da quantia inscrita na etiqueta, seguida de um suspiro: “Ai, meu Deus…”. Deu-me pena.

À segunda mulher vi-a numa reportagem de “telejornal”, que alguém publicou por aí. Questionada sobre até que ponto o aumento de preços afectava os portugueses, respondeu sorridente que nem por isso, “porque o aumento é ao quilo e os portugueses por norma nunca compram um quilo”. Embora por razões diferentes, voltei a ter pena. E lembrei-me do dono de um café que frequentei na juventude, o qual não conseguia apurar a percentagem de clientes que consumiam cerveja na medida em que, cito, no estabelecimento “não paravam 100 pessoas”.

Não sei se o vídeo da segunda mulher é recente ou sequer autêntico. Sei que a senhora, real ou paródica, é representativa de incontáveis criaturas reais, com 10 gramas de ervilhas – 1% do kg – no lugar do cérebro. E são criaturas assim que constituem o público do dr. Costa. Quanto à primeira mulher, é possível que nem pense no dr. Costa. E é certinho que o dr. Costa não pensa nela.

Seja por detractores ou devotos, a manha do dr. Costa é altamente sobrevalorizada. De tão primitivos, os truques do homem exigem destinatários pouco exigentes. Na quinta-feira, o dr. Costa concedeu uma entrevista à “Visão”, com direito a exibir as típicas má-criação, prepotência e parlapatice, além de cortina vermelha e pose suspeita na capa, como o cabotino de baixo vaudeville que ele é. Ali, anunciou um “apoio extraordinário” de 240 euros a um milhão e pico de “famílias carenciadas”. Claro que não sugiro uma relação directa entre os coitados que receberão a benesse e a imbecilidade congénita: a imbecilidade é dos que aplaudem a benesse, não por disciplina partidária ou genérico interesse em vigarices, e sim por convictamente acharem que o “apoio” é mesmo “extraordinário” e digno e generoso. E que o dr. Costa também o é. O dr. Montenegro, hipotético líder da oposição, reclamou para o PSD a inspiração da espectacular medida. E o prof. Marcelo interrompeu os comentários desportivos para explicar que a medida “faz a diferença”.

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Santa paciência. É pueril ter de desmontar patranhas tão evidentes, porém eficazes em quem não liga à inflação porque só compra 300g de maçãs. Desde logo, ao contrário do que alguns “media” isentos proclamaram, o dr. Costa não dará nada a ninguém, excepto enxovalho. A verba, no conjunto uns 250 milhões, provém dos impostos directos que o Estado subtrai aos pagantes e dos impostos indirectos que o Estado subtrai a todos, incluindo aos que receberão a súbita e decisiva esmola. Os impostos sobem com voracidade, e a esmola não é esmola: é trapaça. Os 250 milhões, fui ao Pordata, equivalem a três meses de IMI, a um mês de impostos sobre os combustíveis, a uma semana de IVA, a um dia e meio das receitas fiscais totais.

Em suma, à semelhança do gangue que expulsa os moradores de um prédio e depois aluga um quartinho a dois deles, o dr. Costa não dá: o dr. Costa tira imenso aos cidadãos em geral para de seguida devolver migalhas aos cidadãos que ele selecciona, a fim de obter a aclamação dos pasmados. O socialismo é isto. Se os pasmados forem os suficientes, o socialismo até pode ser democrático, embora uma democracia de indigência, dependência e atraso. E, desculpem a redundância, de pobreza. No socialismo, digo-o devagar para não assustar os desprevenidos, a pobreza não é um efeito colateral: é um meio indispensável.

Por isso não espanta, embora arrepie, notar o júbilo com que se publicitou o número de futuros excêntricos gerados pela lotaria do dr. Costa: um milhão de famílias. Perto de três milhões de indivíduos. Três milhões de pobres, ou “carenciados” no jargão eufemístico, além dos “remediados” do salário médio e dos ricos que ganham dois mil. Um país governado pelo PS em 20 dos últimos 27 anos, a maioria com participação directa do dr. Costa. O que o dr. Costa quer que a audiência dele ouça é que o PS ajuda muitos “carenciados”. O que dr. Costa de facto diz é que o PS produz resmas de desgraçados. E que o objectivo é esse.

O socialismo, está nos livros e infelizmente na vida, espalha miséria pois não prospera sem miséria, a material e a mental. Nem sempre as duas coincidem, embora às vezes se cruzem no supermercado, a primeira a chorar o custo do litro de leite e a segunda toda contente por comprar embalagens de 250ml. Por culpa própria ou alheia, as duas acabarão mal. E o dr. Costa não.