Com a viragem do PS à esquerda, parte da direita tem-se deleitado com o que Sérgio Sousa Pinto diz e escreve. O deslumbramento é tal que já ouvi que Sousa Pinto se devia mudar de armas e bagagens para a direita. Este fenómeno não deriva apenas da necessidade de uma certa compensação, de um ‘afinal não somos só nós a acharmos que o PS foi tomado pela extrema-esquerda’, mas da percepção de que ainda existem pessoas de esquerda que não se identificam com a génese dos que actualmente governam o Estado. Que ainda existe uma esquerda socialista que não se identifica neste socialismo ou (e aqui arrisco algo) que ainda existe uma esquerda liberal. Mas esse ponto daria lugar a outra conversa.

O que pretendo realçar é que Sousa Pinto não é de direita e muito provavelmente é mesmo socialista. O deputado do PS começou a dar nas vistas por divergir do actual rumo do socialismo português. Começou por expressar divergências com a formação da geringonça, alertou para a influência do BE na JS que acabou por ser potenciada por esse acordo de governação, desafia o politicamente correcto e nas suas várias intervenções tem demonstrado uma cultura política assente no confronto de ideias, no respeito pelo adversário político, no gosto pelo debate e ainda na percepção (tantas vezes ignorada pela extrema-esquerda) da importância que é a separação da esfera pública e privada, do que verdadeiramente significa a separação de poderes (e quais as suas consequências concretas na vida política e na vida em comunidade). Sousa Pinto tem também repetido que o dever do Estado garantir que todas as crianças e jovens, independentemente das suas origens, têm direito a uma educação capaz não se confunde com o Estado se arrogar do poder de incutir às crianças um pensamento único. Que educar não é dizer aos alunos o que devem e como devem pensar, mas infundi-los da necessidade imperiosa que é terem capacidade de entendimento, de discernimento, de pensamento e de sentido crítico. Todos estes pontos Sousa Pinto tem salientado, todos estes pontos são do agrado de grande parte da direita portuguesa e apenas o afastamento do PS desses mesmos ideais tem sido razão suficiente para confundir Sousa Pinto com a direita.

Mas, e felizmente, Sérgio Sousa Pinto não é direita. É de esquerda. E ainda bem porque o país (e o PS) precisa de políticos de esquerda como Sousa Pinto. Precisamos de Sérgio Sousa Pinto e de outros como ele para que haja debate civilizado, mas também porque o que Sousa Pinto faz com as suas intervenções não é mais que não excluir o PS (a esquerda tal qual ele a vê e com a qual conviveu desde Mário Soares) da base de entendimento gerado à volta do conceito de Estado de Direito, ponto assente para qualquer sociedade que conviva com um Estado democrático e respeitador dos direitos dos cidadãos.

Sousa Pinto é de esquerda quando defende o pilar social como essencial para a construção europeia, quando critica os ‘superavits’ alemães, quando não aceita que a origem dos paraísos fiscais se deva à existência de infernos fiscais, quando considera que o euro engendra divergências entre os estados europeus e que estas não resultam da diferença de produtividade dos estados. Tal como é de esquerda quando não aceita que essa diferença de produtividade entre os estados europeus assenta, antes de tudo o mais, no capital ou na falta deste; na poupança, no investimento em máquinas, em tecnologia e, naturalmente, nas pessoas.

Mas também este ponto é matéria para outra discussão. O que pretendo realçar neste texto é que Sérgio Sousa Pinto não é de direita, como tantos à direita o têm desejado. É de esquerda e ainda bem. Como ainda bem que, sendo de esquerda, estará presente na Convenção do Movimento Europa e Liberdade. Se, em democracia, o debate político deve incluir o maior número de posições divergentes, torna-se crucial dar voz a uma esquerda moderada que tem sido silenciada. Já o facto de à direita haver quem se pergunte por que razão o deputado do PS e antigo líder da JS não é de direita, demonstra outro problema do actual regime: que ao mesmo tempo que o PS se desviou para a órbita ideológica do BE, a direita não tem líderes ou os que existem não têm a projecção necessária. Sem uma esquerda moderada e com uma direita sem rumo acabamos por ter uma democracia em que os pilares que lhe deram origem e por ela lutaram se encontram politicamente órfãos. É por isso que ouvir e ler Sérgio Sousa Pinto é importante. Tal como é imprescindível que à direita haja quem fale com a mesma clareza.

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