Esta semana ficámos a saber que Matteo Salvini inaugurou a sua Internacional Extremista em conjunto com líderes de partidos da extrema-direita alemã, dinamarquesa e finlandesa, com mais membros a caminho, diz o vice-primeiro ministro italiano. O objetivo é uma coligação pós-eleitoral no Parlamento Europeu depois das eleições de maio. A nova família política já tem nome – Aliança Europeia pelas Pessoas e as Nações –; agenda política, ainda que propositadamente vaga para aglomerar o maior número possível de partidos antieuropeus, mas que contempla a ideia de erguer um novo “sonho europeu” que substitua o que foi destruído por “burocratas e banqueiros”; e uma meta: chegar aos 50% dos assentos parlamentares.

Com grande probabilidade e a acreditar nas sondagens, o objetivo é praticamente impossível de atingir. Mas isso não invalida que a extrema-direita esteja a crescer exponencialmente nas intenções de voto dos europeus. Nem invalida que PPE e o PSE juntos venham a perder a maioria, pela primeira vez desde que existe Parlamento Europeu (o que tem outras implicações institucionais). Nem implica que a confiança crescente deste tipo de partidos que querem mudanças radicais não sejam motivo de preocupação.

Como travar esta onda de populismo extremista? Emmanuel Macron deu a sua resposta recorrendo à longa tradição federalista, propondo mais e maior integração. Mas a verdade é que, como foi sugerido aqui, esse modelo, que pode ter servido a UE durante décadas, está a ser altamente contestado (se não estiver mesmo esgotado). E se é séria a ideia de que as instituições europeias devem ser mais democráticas e mais próximas dos cidadãos europeus, então começar por ouvir os descontentamentos daqueles que votam nas eleições para o Parlamento Europeu, em vez de continuar a famosa marcha da bicicleta, talvez não fosse um mau princípio.

A posição de Macron pode até ser dominante nas instituições, mas não é a única. Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês e Annegret Kramp-Karrenbauer, a presidente da CDU alemã, perceberam uma coisa muito importante: a União Europeia é mais do que uma aliança de estados, mas também é uma aliança de estados. E que o nacionalismo por si só não é o problema. O nacionalismo antieuropeu – logo, um nacionalismo que se define em oposição ao projeto europeu, que a esmagadora maioria das vezes vem com um projeto extremista anexado – é que é.

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Ambos têm feito este caminho discretamente. Ou talvez estejam abafados por vozes pró e antieuropeias mais estridentes. Mas então veja-se. Rutte foi um dos primeiros líderes europeus a ter pela frente uma eleição legislativa complicada em 2017. O seu adversário, Geert Wilders, do partido de extrema-direita PPV, esteve até ao dia das eleições em empate técnico com os conservadores liberais do primeiro-ministro incumbente.

Rutte fez uma campanha eleitoral com base em três elementos: em primeiro lugar, desmistificou e desconstruiu as ideias extremistas do adversário, que, como é apanágio dos populistas, usava o politicamente incorreto para furar todas as barreiras do espírito liberal e do estado de direito.

Em segundo lugar, defendeu as virtudes da moderação política e de democracia representativa. Desfez-se em explicações, mas sobretudo, mostrou nas suas atitudes a diferença entre política moderada e política populista. Por exemplo, foi firme relativamente à crise desencadeada pela Turquia, mas moderado e tolerante nas suas posições e afirmações. No espírito europeu que deveria ser o dominante.

Em terceiro lugar, tirou das mãos de Wilders o assunto que o levava a tão grande popularidade. Falou sem tabus sobre a questão das migrações: reconheceu o crescente desconforto da população holandesa com o assunto e afirmou que os imigrantes que “se recusavam a adaptar-se [aos costumes da sociedade holandesa] e criticam os seus valores (…) ou se comportam normalmente, ou devem ir embora”. Rutte esvaziou Wilders de reivindicações. Mas acima de tudo prestou um grande serviço à Europa mostrando que se pode, como afirmou o analista James Kirchick, ter uma postura intermédia e equilibrada entre a “utopia multiculturalista” e a “demagogia populista”.

Já Annegret Kramp-Karrenbauer, fez a sua parte respondendo à Carta Aberta de Emmanuel Macron em artigo publicado no site oficial da CDU. Há um parágrafo a que vale a pena prestar atenção. Diz assim: “Não há versão de uma superestado europeu que suplante o objetivo de uma Europa feita de estados-membros soberanos, com capacidade para agir. O trabalho das instituições europeias não pode reivindicar nenhuma superioridade moral sobre o esforço de cooperação dos governos nacionais. Não se pode fundar uma nova Europa sem estados nação: são eles que dão [ao projeto europeu a] legitimidade democrática e a identificação. São os estados-membros que formulam os seus interesses para criar uma visão comum ao nível europeu. É isto que dá peso internacional aos europeus”.

Estas declarações de AKK, bem como o comportamento de Rutte, mudam muita coisa: mostram que existe uma alternativa ao federalismo europeu e ao populismo extremista. Uma agenda que começa discretamente a tomar forma, mas que devia estar no centro da campanha para as eleições do final de maio: (1) um projeto europeu com os estados-nação demoliberais no centro das instituições, o que criaria imediatamente uma maior proximidade entre os cidadãos e a União; (2) instituições que levam as questões das migrações e – é preciso dizê-lo – da presença de comunidades muçulmanas intolerantes relativamente à nossa forma de vida a sério, e como uma questão que é preciso resolver, mas que acolhem comunidades imigrantes de diversos credos (incluindo muçulmanos) com comportamentos tolerantes (especialmente refugiados); (3) num processo de reajustamento social de comunidades nacionais cada vez menos heterogenias; (4) e que recusa deixar cair os valores essenciais europeus, mas rejeita o status quo institucional, e que se afirma disposta a emendar tratados para encontrar uma Europa mais justa, inclusiva e mais próxima dos cidadãos.

Esta é a agenda moderada, a agenda certa. Pode não ter o charme das causas ideológicas (quer sejam os Estados Unidos da Europa, quer a Europa homogénea das nações) mas tem o que é necessário para recalibrar o projeto que já conheceu melhores dias. É que uma coisa é certa: se a Europa quer preservar-se (e, como diz AKK, não deixar os Estados Unidos, a Rússia e a China decidir por si), tem de fazer uma profunda reflexão, remexer em assuntos difíceis, e reformar-se. E estar disposta, se necessário, a encontrar um novo caminho. Caso contrário corre sérios riscos que, a longo prazo, a Internacional Extremista ou qualquer outro grupo do género se torne maioritário. E aí a Europa muda mesmo, e certamente, para muito pior.