Há umas semanas comparei o consulado de António Costa com o de Leonid Brezhnev. Naturalmente, não me referi à dimensão do horror da era soviética, incomparável com a pacatez portuguesa, mas à igual tentativa de paragem no tempo, de impedimento das mudanças sob o risco dos equilíbrios se desfazerem e o país entrar em degradação acentuada. Nos anos 70, Brezhnev tinha consciência desse perigo tal como António Costa está a par dessa possibilidade. Para o nosso primeiro-ministro, Portugal encontra-se encurralado à beira de precipício; sem ideia de país que gostaria deixar, incapaz de uma agenda reformista, a sua única solução é ficarmos quietos. E esperarmos. Primeiro, para que a crise não surja num dos seus mandatos; segundo, porque pode ser que aconteça um milagre, uma descoberta qualquer da ciência, uma qualquer revolução tecnológica que dinamize a economia norte-americana ou europeia e nos puxe para cima e tire deste descalabro.

Independentemente disso acontecer ou não acontecer, a solução não passa por Portugal, menos ainda pelo chefe do governo.

O resultado do parar no tempo é o definhamento. Há um enfraquecimento gradual que, por ser progressivo, pouco se nota. E o definhamento tem três consequências. Em primeiro lugar, é extenuante, cansa. Pior: esconde, porque não revela, os que perdem, os que ficam para trás, os que se vão embora do país, os que podiam ‘abanar o barco’ e que se fartam de esbracejar porque ninguém os ouve. O definhamento tem ainda uma segunda característica fatal: chama a si os piores, o lado menos bom do ser humano que é o pactuar com a mediocridade, a deturpação das regras do jogo e o aceitar como normal e sensato essa perversão do que deve ser conviver numa comunidade política como aquela em que gostaríamos viver, uma democracia representativa de um Estado de direito. Por fim, obriga a um controlo absoluto do primeiro-ministro que não pode permitir qualquer avanço que destrua o equilíbrio instável em que nos encontramos. Qualquer peça que se mova, uma pessoa que destoe, um ex-governador do Banco de Portugal que fale, um jornalista que pergunte, um ex-presidente da República que escreva um artigo para o jornal, um ex-primeiro-ministro que surja na apresentação pública de um livro sobre António Costa e os danos podem ser colossais. O país e o governo PS estão numa situação tão periclitante que um espirro pode ser confundido com uma bomba.

Ao não ter uma visão do país, ao não apresentar reformas, resta a António Costa aguentar-se mais quatro anos com casos, grandes ou pequenos, mas reveladores do pior que se acumula com a paragem no tempo. O PS anda indignado com o número de notícias relativas à gestão pública. Claro que para os socialistas o problema não são os actos dos titulares da cargos públicos do PS nem o sentimento de impunidade, algo normal num partido que, fora curtos intervalos, está governo há 27 anos. Para os socialistas o que há é excesso de actividade do Ministério Público. Porquê? Será porque os actos suspeitamente ilícitos aumentaram? Não, isso seria uma explicação demasiado natural. A razão tem de ser mais aprimorada e, desta vez, o PS, habitualmente cuidadoso com as palavras, não fala de cabala (expressão utilizada noutros episódios de maior gravidade), mas em “dilúvio acusatório”. A realização da COP27, se não servir para mais nada, pelo menos foi uma boa inspiração para mais esta habilidade linguística.

Infelizmente estes casos não vão parar. É que quem não muda e não se adapta desaparece sem que deixe rasto ou memória. Sem outra visão para o país que não seja a de nos fazer parar no tempo e bloquear qualquer reforma, António Costa está a colher o que semeou. Foram sete anos desperdiçados; vão ser quatro anos penosos, para Costa e para nós, a não ser que algum acontecimento tire, quanto antes, o primeiro-ministro deste tormento em que ele próprio se colocou.

Nesse momento, poderemos aspirar o cotão que se acumula nos cantos do país.

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