1 Não sei se já são as consequências de um confinamento prolongado mas os últimos dias têm sido pródigos em disparates, demagogias e manipulações. E no regresso dos vencidos de outrora com as suas agendas totalitárias com a nova roupagem da luta contra o racismo, as políticas identitárias e a quebra das patentes das vacinas contra a covid-19.

O mais extraordinário é que uma parte cada vez mais radicalizada do PS, e alguns socialistas que tenho por moderados, estão a cair na esparrela. Veja-se, neste último caso, Ascenso Simões que, a propósito do caso da morte de Marcelino da Mata, resolveu aderir (com atraso) a modas anglo-saxónicas, defendendo a demolição do Padrão dos Descobrimentos (uma criação do salazarismo que remete para o colonialismo) e argumentando que, para existir um corte epistemológico com o Estado Novo, o 25 de Abril deveria ter sido semelhante a uma verdadeira revolução com sangue nas ruas e mortos em barda — sangue e mortos simbólicos, entenda-se, que as metáforas são o forte da esquerda nos dias que correm. Tudo porque o salazarismo ainda está vivo entre nós!

Se a importância histórica dos Descobrimentos se deve à “história privativa” do salazarismo, isso é algo que o deputado do PS devia tentar ver com todas as universidades internacionais (dos Estados Unidos ao Reino Unido, da Austrália à África do Sul, do Brasil ao Japão, etc.) que dão relevo nos seus planos curriculares ao estudo dos factos históricos relativos à expansão marítima da monarquia portuguesa entre o séc. XV e o séc. XVI. E com todos os historiadores que publicam regularmente obras de referência sobre os impérios ultramarinos português, espanhol, inglês, francês ou holandês. Todos uns perigosos salazaristas e fascistas, está claro!

Já sobre a destruição à bomba do Padrão dos Descobrimentos, apenas dois comentários:

  • E porque não rebentar também com a Torre de Belém, os Jerónimos, o Convento de Mafra e todos os edifícios que foram financiados com fundos cuja origem é agora censurada com o olhar e a cultura de 2021 dos novos ditadores do politicamente correto? Pouco interessa que tenham sido construídos muito antes do salazarismo. Se é para expurgar todos os nossos pecados do esclavagismo e do colonialismo, que não se poupe na dinamite!
  • ora aqui estão belas ideias para constar do programa eleitoral do PS nas próximas legislativas. Tenho a certeza de que serão um belo contributo para uma maioria absoluta construída ao centro.

2 No que diz respeito ao 25 de Abril com “sangue” e “mortos” — mesmo que simbólicos –, não deixa de ser extraordinário que um deputado do partido de Mário Soares tenha esta narrativa. Foi precisamente Soares que, enquanto líder dos democratas, tudo fez para evitar um banho de sangue e uma guerra civil que podia ter acontecido.

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Mais importante do que isso: é precisamente essa realidade (um golpe de estado e uma revolução praticamente pacíficas) que faz com que o 25 de Abril seja uma data quase unânime em Portugal, que une os moderados esquerda e de direita (onde sempre deduzi que Ascenso Simões se enquadrava) e todos os setores relevantes da sociedade portuguesa.

Maior ironia: o “corte epistemológico” que o deputado agora defende, ocorreu, de facto, entre 74 e 75 com perseguições e saneamentos de pessoas ligadas a Ditadura. Ou o sr. deputado não se recorda do PREC, dos mandados de busca em branco do COPCON, da prisão sem culpa formada dos principais empresários do país, da invasão de terras e de propriedades com base na legitimação revolucionária e de tantos outros crimes que deram origem e que só pararam depois do 25 de novembro de 75?

E porque razão Soares, Sá Carneiro, Freitas apoiaram o 25 de novembro? Porque queriam o fim do PREC e a pacificação da sociedade portuguesa a pensar no futuro do país. Por isso mesmo, muitos dos saneados nas empresas, nos bancos, na academia e em tantos outros setores puderam regressar à sua atividade. O mesmo aconteceu aos grandes capitalistas exilados que receberam convites de Mário Soares e Almeida Santos (que Ascenso Simões bem conheceu e que hoje ainda passava por um perigoso colonialista devido à sua atividade em Moçambique) para regressarem e investirem em Portugal. E até políticos que tinham colaborado com o Estado Novo aderiram aos ideias democráticos do 25 de Abril.

O próprio Mário Soares viria a ser decisivo num segundo momento de pacificação ao aplicar, enquanto Presidente da República, uma amnistia às FP 25 de Abril — uma organização terrorista fundada por aqueles que queriam fazer um “corte epistemológico”.

O “salazarismo não morreu”? Recomendo ao sr. deputado Ascenso Simões a toma de um calmante para um sono mais tranquilo — e que o salve dos pesadelos aparentemente recorrentes com a quinta coluna de fascistas adormecidos de norte a sul. E que tenha cuidado: em política, os saltos mortais da moderação para o “radicalismo que provoca o progresso” fazem mal às costas e à credibilidade política.

3Depois do deputado dinamite, vamos aos lobos com pele de cordeiro. A lógica maniqueísta (e falsa) dos bons (a esquerda que defende os oprimidos) contra os maus (a direita que está ao lado dos opressores), sempre foi a narrativa favorita da esquerda em geral para manipular a realidade política — e ainda é assim que alguns professores ensinam os seus alunos.

Este slide publicado no Twitter foi apresentado numa disciplina do 12.º ano de uma escola pública pela respetiva professora. Para esta, a “curiosidade, interesse, diversidade” e o “cosmopolitismo” são valores ideológicos associados à esquerda, já a direita é associada à “exclusão”, ao “ódio ou rejeição”, à “recusa de contacto” e à dificuldade em ter “relações mais aprofundadas. Enquanto que a esquerda promove a “justiça social” e a “proteção dos mais fracos”, a direita defenderá defenderá o “auxílio aos necessitados através de caridade”.

Como não sei a identidade da professora, não sei se a senhora foi catequizada ao lado do comunista Mário Nogueira — e se será daquelas lunáticas que ignoram a existência do Gulag e recusam que a União Soviética fosse uma ditadura. O que sei é que a professora aqui em causa é uma ignorante funcional no que à história diz respeito, porque certamente nunca ouviu falar em Lenine, Estaline, Brejnev, Honecker, Tito ou Ceausescu (só para referir alguns) que promoveram o “ódio ou rejeição” entre os seus cidadãos, perseguindo e torturando quem discordava deles. Que rejeitaram a ideia de ter “relações mais aprofundadas” com países que não eram comunistas, construindo muros, apreendendo passaportes e proibindo os seus concidadãos de viajarem para o estrangeiro durante uma vida inteira. E que promoveram tanta “justiça social” que mataram à fome os respetivos povos.

Também nunca deve ouvido falar do conservador alemão Bismarck (que fundou as bases do Estado Social moderno), do igualmente conservador inglês Winston Churchill (que contribuiu para a criação do subsídio de desemprego e pegou no Serviço Nacional de Saúde criado por um governo trabalhista e alargou-o) ou até mesmo de Marcelo Caetano (que criou durante a ditadura do Estado Novo regimes de previdência para os agricultores e pescadores, deu direitos sociais às empregadas domésticas e alargou a ADSE a todos os funcionários públicos) — entre muitos outros exemplos de conquistas sociais promovidas por governos de direita.

Ironias à parte, este é claramente o perigo de levar a ideologia para dentro de uma sala de aula. É verdadeiramente abjeto que um adulto completamente politizado queria impor a sua visão do mundo a jovens menores de idade que ainda não têm uma consciência política minimamente solidificada — e que ao ouvirem um professor a debitar tamanho chorrilho de disparates, acreditarão que aquela voz autorizada pelo Estado a ensinar está a falar a verdade.

Tal como muitos cidadão moderados de esquerda e de direita avisaram na devida altura sobre o programas da célebre disciplina “Educação para a Cidadania”, levar a ideologia para uma sala de aula é a melhor forma de confundir e de desinformar — muito mais quando a informação é assente em falsidades primárias.

4 Além da educação das crianças e dos jovens, o espaço público é um segundo terreno em que a extrema-esquerda tenta, como sempre tentou, influenciar as massas. Seja através da luta contra o racismo, da defesa do feminismo ou das políticas de género, o anti-capitalismo é sempre o objetivo central da narrativa.

A confusão já é tanta que o racismo deixou de ser a discriminação ou segregação com base na cor da pele mas sim um “sistema” em que o “negro não tem o privilégio nem o poder económico, político e cultural para oprimir um branco. É o país, é o sistema que é racista”. Ou seja, “não existe racismo de negros para brancos”. E porquê? Porque o racismo “não é uma atitude inter-pessoal” mas sim uma organização económica e política em que o homem branco oprime o homem negro, explicou na última quarta-feira na TVI a psicóloga Joana Cabral, colega de Mamadou Ba na associação SOS Racismo.

Se substituirmos “homem negro” por “trabalhador” e “homem branco” por “capitalista”, concluímos facilmente que estamos perante a velha ladainha do marxismo. Independentemente das figuras polémicas, como Mamadou Ba, o que interessa reter em alguns dos novos activistas anti-racismo é que o seu objetivo é exatamente o mesmo dos seus camaradas dos anos 60 e 70: a revolução, a derrota do capitalismo. E, para tal, adotam as mesmas táticas de outrora: a manipulação das massas, o sectarismo, o insulto e a perseguição. É a velha lógica totalitária do marxismo a vir ao de cima.

5 Outro velho sonho dos marxistas do PCP e do Bloco de Esquerda é o controlo dos meios de produção — e a nova roupagem dessa velha política passa pela quebra das patentes das vacinas, devido aos problemas de fornecimento das vacinas não só aos países mais ricos (que estão a receber com atraso as mesmas) mas também aos países mais pobres (que praticamente ainda não receberam vacinas).

O problema é real mas muito complexo de resolver. Menos para Francisco Louçã que tem uma solução simples: as farmacêuticas Pfizer e Moderna, que investiram 10/15 anos no desenvolvimento da tecnologia mRNA, devem ser obrigadas a quebrar as suas patentes, partilhando os seus segredos com todas as farmacêuticas que tenham capacidade de produção.

Assim, quebrava-se a espinha aos gananciosos das farmacêuticas e acabava-se com os problemas de produção em todo o mundo. Fácil, certo? Não, errado.

Como se pode ler neste trabalho do site BuzzFeed, que apanhei na newsletter “Novo Normal” do Filipe Santos Costa (jornal Eco), há vários problemas (muito) complexos — e nem sequer me estou a referir à asneira da nacionalização da produção da vacina:

  • Sendo uma nova tecnologia, pouquíssimas fábricas estão preparadas para produzir a mesma. Por outro lado, uma nova fábrica tem um custo estimado de cerca de 600 milhões de dólares;
  • Só nos Estados Unidos, os passos necessários para a vacina da Pfizer passam por quatro fábricas diferentes e requerem um know-how extremamente específico;
  • A mistura das moléculas que contém o mRNA com os lípidos necessários é algo que só é possível de ser feito em cerca de cinco fábricas em todos o território norte-americano.

Portanto, é impossível fabricar a vacina da Pfizer (o mesmo aplica-se à Moderna) em qualquer fábrica na Índia ou na China. O que deita por terra qualquer boa intenção que se possa ter.

Infelizmente para o dr. Louçã, a realidade é sempre mais complexa do aquilo que ele gosta de apresentar. Uma realidade que até um jovem de 18 anos consegue perceber mas que ele, supra sumo da manipulação, faz questão de ignorar — um problema comum a todos os populistas e demagogos.

Citação de Joana Cabral retificada às 23h21