O início dos anos 20 tem sido perturbado pela instabilidade que podem querer associar à pandemia, à guerra e/ou a contornos demográficos; na qual terão a sua quota parte de razão. Acontece que a tendência é claramente de dar maior ênfase a estes fatores, ignorando aqueles que contribuíram para tal desfecho, e que não são de agora. Circunstâncias que funcionam como impeditivo no teor da dinâmica social, de ir ao fundamental da questão, ao invés de “andar a passar pensos”.

É por de mais evidente que não há recursos suficientes no planeta para dar conta das necessidades ilimitadas do ser humano, o que faz com que cada nação tenha necessariamente que competir umas com as outras pelos mesmos, ainda que em cooperação entre elas de modo a alcançar uma alocação de recursos que seja o mais eficiente possível.

O Velho Continente Europeu, de uma forma geral, apresenta uma maior estagnação em termos de desenvolvimento económico desde 2008, ano que coincide com o início de uma crise financeira de ordem global. Contudo, não seria a crise em si que nos ajudaria a explicar este fenómeno, mas sim, a reação à mesma, visto que outros países se desenvencilharam melhor do que nós desde essa altura. Para tal, comparemos a evolução de dois índices: um que engloba as maiores empresas presentes nas bolsa de ações nos Estados Unidos (S&P500) e um outro de igual características para a Europa (Euro Stoxx600). Desde 2008, o S&P500 subiu cerca de 29.4% em relação à sua posição original, ao passo que o Euro Stoxx600 apenas cresceu 13% (menos de metade!), quando até então ambos os índices tendiam a evoluir em igual medida durante duas décadas.

Tudo isto se torna mais relevante quando falamos de percentagens relativas ao diferencial de dezenas de biliões de dólares; triliões se assim preferir chamar até. De resto, considero importante relevar que as corporações públicas presentes nestas bolsas são exatamente isso – públicas – e por isso praticamente qualquer um está apto a participar nas mesmas. Mais do que pelas estatísticas, essa mesma evolução notar-se-á no dia-a-dia de um europeu. Nota-se quando parte do valor acrescentado que é criado por nós vai para as mãos da Amazon, do Airbnb, da Uber, do YouTube (Google), entre outros. Valor esse que é criado por inovações tecnológicas que proporcionam plataformas digitais – ao invés de bens físicos – e que ‘tornam a nossa vida mais fácil’ mas que tem repercussões nos fluxos de dinheiro que envolvem. Temos um exemplo de um discurso que será de igual convicção por parte do Governo Regional da Madeira, pelo menos no que à Uber diz respeito.

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Os Europeus foram invadidos por um ‘boom’ tecnológico causado pela inteligência artificial que tem vindo a ser desenvolvida e que não é de agora; ficando para trás por pura demagogia quanto a políticas que procurariam fomentar a inovação do tecido empresarial e respetivas regulações. Categórica falta de consciência não tiveram os chineses, que cedo se apressaram a arranjar competidores para enfrentar o bloco americano: AliExpress, TikTok, BYD, Shein, Xiaomi, Bindu, etc.

A China e os EUA tem também os seus problemas, mas as suas projeções parecem mais otimistas. Acontece que a fácil alusão à reputação das suas civilizações e fornecimento de serviços de grande qualidade terão iludido os governantes europeus quanto à manutenção da sua qualidade de vida, bem como uma mentalidade de carpe diem em que se preza maioritariamente os standards de vida atuais e, consequentemente, uma dita ‘melhor redistribuição da riqueza’ a curto prazo e aonde se prejudicam as gerações futuras ‘involuntariamente’, já que essa manutenção de qualidade de vida só é minimamente garantida quando se compete por uma vida melhor; isto é, quando se compete por recursos, já que a vertente competitiva deste fenómeno mundial não permite desleixos por parte dos envolvidos, muito menos quando se estabelecem ‘quotas de mercado’, se assim quisermos chamar.

Sim, porque não basta dizer “porque é que não travamos estas empresas estrangeiras?” com um iPhone ou um Samsung no bolso para resolver o assunto. Quota de mercado essa que, de resto, a indústria exportadora americana tem vindo a ganhar desde o abandono forçado da indústria russa do continente europeu, fruto da guerra contra a Ucrânia, e que desincentiva a política americana de promover um entendimento mais coeso com o nosso continente, dado que o bloco mais a leste e de maior poder e influência já não está lá presente, por assim dizer – ainda que não querendo pôr esta mudança de postura em causa. Incentivos também, que merecem ser mencionados, já que estão na base fundamental da questão pela qual os tecidos empresariais de origem europeia não tem conseguido fazer frente a outros blocos.

Torna-se então, espalhafatoso, falar em gigantescas administrações públicas quando estas jamais terão capacidade para administrar os incentivos necessários a formar uma economia sustentável, pelo menos enquanto a temática não for de teor económico e se insistir em tamanho autoritarismo, que já é um clássico europeu; não só pela carga fiscal, mas também por excessiva burocracia que também funciona como imposto, e que vão para além da questão ambiental que é levada a mais rigor a nível europeu.

Muitas questões podem ser colocadas mas não deixa de ser irónico os socialistas (assumidos ou não, inclusive de boa parte do espectro da direita em Portugal), serem os primeiros a beneficiar heranças, sem se aperceber que o seu fascínio pela burocracia só alimenta a falta de competitividade que está associada a uma menor necessidade de investimento e menor inovação. É importante distinguir a relação liberal/autoritário da relação progressista/conservador e não confundi-las. Falando no contexto comunitário, as diferentes perspetivas quanto à política monetária comum europeia entre a Alemanha e a França, para os mais céticos, fazem lembrar minimamente o fenómeno Brexit. Não será descabido, de todo, que possamos ver novas retiradas da comunidade europeia nas próximas décadas, ainda que o exemplo anterior não esteja relacionado com a política monetária referida.

Pelo ataque comercial que tem sido feito ao continente por todos os lados neste últimos tempos, é por de mais necessário e urgente que se tome ação e que sejam acionadas medidas para alavancar a economia a longo prazo, já que os europeus correm um sério risco de se tornar um satélite para as metrópoles mundiais nesse mesmo espaço de tempo. Tais medidas só serão feitas abdicando em certa parte do presente para construir o futuro, ainda que o processo será sempre difícil já que é preciso manter a estabilidade social para que isso aconteça – estabilidade essa que tem vindo a ser denegrida por força do adiar da coisa. Enquanto isso, as cortinas vão fechando naquilo que pode ser a “última oportunidade” para o continente face à nova fase de industrialização de economias mais desenvolvidas, dado o investimento colossal em data centers, e que acontece inclusive em solo europeu. Ter as empresas cá não bastará enquanto favorecermos as elites estrangeiras ao invés das elites que partilham a mesma comunidade.

Entretanto, recorre-se à narrativa da imigração visto não darmos condições aos nossos para se reproduzirem e não espanta que acontecimentos como a pandemia e a guerra acelerem o ‘eclipse parcial’ em que a Europa se posicionou desde há uns tempos, quando as feridas da crise financeira global de 2008 feriram o modelo capitalista europeu em vez de sará-lo. Infelizmente, o contexto atual da União Europeia não me convence e arrisco-me mesmo a dizer que o continente está em vias, falando a longo prazo, de ter um categórico ‘eclipse total’, porque eclipsados já estamos a ser há algum tempo.