São os jornalistas desportivos jornalistas? A pergunta ocorre porque a qualquer pessoa é evidente que a sua actividade não consiste em descrever o que se passou, mas antes em descrever aquilo que se poderia ter passado. ‘Descrever’ é uma força de expressão; os jornalistas desportivos fazem sobretudo propaganda daquilo que não sentem necessidade de descrever. Em relação ao futuro, a sua atitude consiste em celebrar o ovo no tracto intestinal da ave; em relação ao passado, em imaginar que em tempos existiu um grande ovo de oiro, ou de chocolate. Em ambos os casos a menor possibilidade de um ovo é ocasião para entusiasmo.

No presente campeonato de andebol internacional, que tanto nos tem interessado a todos, a expressão ‘relato de um jogo’ anuncia a celebração sistemática, sempre pelos dois jornalistas desportivos, daquilo que poderia muito bem acontecer num determinado jogo. O entusiasmo pelo que podia acontecer era considerado pelos Gregos da Antiguidade particularmente filosófico e sério; e os jornalistas desportivos são filosóficos e sérios. Tal como na Grécia Antiga, as celebrações a que se entregam consistem em até quatro das coisas seguintes: exaltar os vencedores e mostrar reservas em relação àqueles que os vencedores encontram pelo caminho; exaltar os nacionais e mostrar reservas em relação àqueles que têm a desgraça de o ser um pouco menos; explicar o inexplicável; e, caso se verifiquem problemas, dar descomposturas.

É porém um erro imaginar que estes modos de proceder correspondem a uma doença profissional que, como a silicose ou a obesidade, afectaria apenas os jornalistas desportivos, ou mesmo os jornalistas. São muito pelo contrário uma característica de todas as profissões cujas actividades consistem no essencial em dizer às pessoas aquilo que elas gostam mais de ouvir: a lista inclui os jornalistas, mas nem por sombras se esgota neles. As pessoas, ao que se sabe, gostam normalmente de ouvir exaltar os vencedores, desde que se possam sentir incluídas no grupo; e gostam ainda de ouvir dar descomposturas a todos, mas porque não lhes ocorre ser parecidas com mais ninguém. Mais que tudo porém gostam que lhes falem do que se poderia ter passado; gostam do oiro, e do chocolate.

As inclinações e os gostos dos outros não tornam todavia necessário que se lhes faça a vontade; e muito menos que haja vidas inteiras e carreiras definidas por essa solicitude. É por isso escusado tomar sobre nós a responsabilidade de relembrar regularmente a terceiros, como há pouco tempo ainda fazia um dos jornalistas desportivos, que “nós somos os melhores e todos os dias sabemos que isso é verdade. É no andebol, é na ciência, é nas artes, é na cultura, é nas empresas, é no trabalho.” Nem há razão para acrescentar, como imediatamente a seguir fazia o outro, que “temos bons motivos para estar entusiasmados.”

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