Como se costuma dizer, o diabo está nos detalhes. E infelizmente andamos todos a não querer olhar para os detalhes. Na semana passada o partido Chega, liderado por André Ventura, organizou uma manifestação à frente do Tribunal Constitucional (TC) em consequência do processo em curso de uma possível ilegalização do partido. Não foi uma manifestação pequena. O partido mobilizou centenas de pessoas, senão milhares, em 30 autocarros. Termos assistido  à manifestação de um partido político à frente de um tribunal é, por si, questionável, mas mais preocupante é o pormenor que passou ao lado da maioria e que quero relevar aqui: a simbologia usada pelo Chega na manifestação. Além de uma faixa com a frase “Chega ou morte”, André Ventura decidiu colocar nos portões do TC várias cordas com o nó de enforcamento. Vou repetir. Um partido político, com representação na Assembleia da República e cujo líder teve mais de 10% nas intenções de voto nas últimas Presidenciais, encheu os portões do Tribunal Constitucional, hierarquia máxima do poder judicial, com cordas com o nó de enforcamento, num claro sinal de intimidação.

Não tenho conhecimento de notícias sobre a manifestação em causa que tenham dado foco, nem relatado sequer, este “pequeno” pormenor. Se dúvidas houvesse que a violência apregoada pelo Chega está normalizada, deixou de haver.

Talvez o exemplo histórico mais recente das consequências reais do uso de comunicação violenta, foi a invasão do Capitólio dos EUA. O incitamento à violência pelo então presidente Donald Trump, levou uma multidão como sede de violência a dirigir-se ao Capitólio, a invadi-lo e até mesmo procurar ativamente membros do Congresso americano. Dos muitos vídeos do acontecimento existe um em particular que me ficou na memória. É o de um manifestante que grita “Heads on pikes” quando apontava para o edifício do Capitólio antes deste ser “conquistado”. Esta expressão não nasce isolada neste contexto. Uns meses antes, Steve Bannon ocupou as tendências das notícias, precisamente por ter sugerido no seu podcast (ouvido por milhares de apoiantes de Trump) que o diretor do FBI e o conhecido Dr. Fauci deviam ser decapitados e as suas cabeças serem colocadas em espetos à frente da Casa Branca.

Por cá, temos um partido político que usa recorrentemente um discurso de ódio, violento, como meio para ganhar capital político. Alimenta-se do descontentamento e das frustrações através do discurso fácil e agrega através do ódio a um inimigo qualquer. No processo, banaliza e normaliza a violência, o que por si é o primeiro passo à própria violência. É um partido sobre o qual ouvimos com frequência relatos negros e sombrios. Sabemos da existência no Chega de grupos neo-nazis, fundamentalistas evangélicos, guerras internas com casos de violência física e ataques a jornalistas. Juntamos a isto tudo a escolha da bandeira programática “Portugueses de bem”, que é talvez o momento mais violento do partido Chega, pois abriu a porta à terrível e assustadora ideia de duas categorias de pessoas, princípio responsável por incontáveis episódios de violência extrema na história da humanidade. Continuemos a olhar para o lado e a defender (ingenuamente?) que partidos como o Chega têm lugar na nossa democracia.

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