Entrou em vigor em França, desde o dia 1 de Janeiro, uma legislação que permite aos trabalhadores ignorarem os e-mails profissionais fora do horário de trabalho. Para já este direito está restringido a empresas com mais de 50 trabalhadores, obrigando neste caso a uma negociação entre trabalhadores e administrações.

Convém lembrar que existem vários estudos que demonstram que o hábito de ler e responder às mensagens de e-mails fora do horário laboral tem vindo a crescer, com consequentes prejuízos na vida familiar e inclusive na saúde mental. Devido às novas tecnologias, a prática de prolongar a jornada de trabalho a partir de casa tem vindo a aumentar em diversas profissões: jornalistas, advogados, gestores, empresários, técnicos comerciais, etc. Regra geral este trabalho não é remunerado, e não é contabilizado no horário semanal, já que este continua a ser habitualmente cumprido presencialmente no local de trabalho. Por conseguinte, trata-se de trabalho extra, sem a necessária compensação remuneratória.

Atualmente existe um excesso de e-mails profissionais que desgastam o nosso cérebro de forma inútil. Nas empresas emergiu uma certa paranoia coletiva que obriga a registar tudo através de e-mail com o conhecimento das chefias; ninguém confia em ninguém, tudo tem de ficar escrito. As chefias são as principais vítimas, uma vez que acabam por ser inundadas por e-mails (enviados com o seu conhecimento) sobre assuntos que deveriam ser tratados exclusivamente pelos colaboradores.

É frequente um diretor ter a caixa de e-mails diariamente inundada com dezenas, e por vezes centenas de mensagens, enviadas pelos seus subordinados que, numa atitude defensiva e algo pueril, insistem dar conhecimento das decisões, conversas, e informações profissionais que vão trocando ao longo do dia com os seus colegas e clientes. Este excesso de informação não é produtivo e não favorece a saúde psíquica; pelo contrário, este autêntico desperdício comunicacional contribuiu tão-somente para aumentar o nosso desgaste e a perda de tempo.

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Existe ainda outro exemplo caricato de uma má utilização do e-mail. Por vezes observam-se colegas de trabalho, que estão sentados a poucos metros uns dos outros, trocarem e-mails entre si quando seria mais útil e proveitoso levantarem-se e resolveram o assunto conversando presencialmente. Esta situação para além de revelar a existência de uma “esquizoidia comunicacional”, induzida pelas novas tecnologias, demonstra ainda que a palavra proferida oralmente perdeu valor.

As empresas têm de assumir um código de ética de responsabilidade familiar evitando invadir, fora do horário de trabalho, a vida privada dos trabalhadores com e-mails e contactos profissionais. A Volkswagen deu um bom exemplo, pois já há algum que instaurou um bloqueio nos servidores, obrigando a que as mensagens fiquem retidas a partir das 18h15 até 7h00 da manhã.

O mundo mudou e as comunicações eletrónicas vieram alterar profundamente as relações laborais. Apesar disso, os partidos políticos e os sindicatos continuam um pouco desfasados desta nova realidade do mundo laboral. Por exemplo, os partidos de esquerda apresentaram recentemente na AR diplomas que propõem mais dias de férias (aumentando para 25 dias) para o sector público e privado. Ora, o problema não está apenas na quantidade dos dias de férias, mas também na qualidade das férias gozadas, pois sabemos que este período de suposto descanso é por vezes interrompido por contactos profissionais.

Através da minha experiência clínica, verifico que há cada vez mais pessoas que, mesmo estando em férias, continuam a atender telefonemas e a responder a e-mails profissionais, justificando este comportamento pela enorme pressão a que estão sujeitos. Se antes existia algum pudor em contactar-se um funcionário durante o período de gozo de férias, atualmente essa prática tem vindo a perder-se; o trabalho passou a invadir impunemente a esfera privada.

Há algum tempo atrás os hospitais obrigavam os médicos a comunicar a sua morada de férias para o caso de haver necessidade de serem chamados para interromperem este período de descanso. Alguns colegas perante este controle autoritário e abusivo comunicavam por escrito às administrações hospitalares com algum sarcasmo que as suas férias seriam gozadas em parte incerta, em contacto com a natureza, através da prática de campismo. Uma vez que ainda não temos entre nós este inovador pacote legislativo aprovado recentemente em França, talvez valha a pena, nas próximas férias, informar a entidade patronal que estas decorrerão em contacto com a natureza, numa zona sem cobertura de rede.

Pedro Afonso é médico psiquiatra