(..) the present political chaos is connected with the decay of language.
George Orwell

A afirmação de Orwell, aqui transcrita, levou-me a uma busca relativa ao tema do Discurso Político. Nessa demanda encontrei um belíssimo ensaio de Richard Hofstader: The Paranoid Style in American Politics and Other Essays, com primeira edição em 1952, pela Harvard University Press.

No ensaio citado, o autor refere uma série de discursos – feitos ao longo dos séculos nos EUA – por facções religiosas, políticas e outras, realçando a paranóia subjacente.

Uma das situações referidas, ou seja, uma das paranóias identificadas no ensaio, é a de que a Europa protestante – no Século XIX -, em conluio e de forma organizada, resolve enviar para os recém-formados EUA, os católicos, com o intuito de darem cabo do país (!). Um político da altura, chega a afirmar que era tudo obra do Príncipe de Metternich (o “mastermind” do Congresso de Viena e, por acaso, austríaco e católico. Ou seja, era uma entente entre protestantes e católicos…).

Não é difícil dar um salto até aos dias de hoje e descobrirmos a paranóia existente no discurso de quem nos quer fazer crer que os pobres fugitivos das guerras no Médio Oriente fazem parte de um complot para destruir as fundações europeias.

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Quanto ao comunismo – matéria em que o autor despende bastante tempo – há que separar entre os discursos que avisavam para o que se passava na URSS, daqueles em que se afiançava a existência de uma 5ª coluna dentro dos EUA. Nesse capítulo, temos como figura de proa o Senador McCarthy e a sua caça às bruxas. Para que se compreenda a “loucura” existente à data, o General C Marshall (sim, o do Plano) era visto como um espião soviético.

Mas atenção: o discurso paranóico não parte da mentira. Parte de factos comprováveis (o Plano Marshall incluía a ajuda a países comunistas). A questão é que, depois, dá “saltos lógicos” para a construção da narrativa que, esses sim, são falsos ou, no mínimo, impossíveis de comprovar.

O acima afirmado não invalida que, por vezes, se possa semear um “não facto”, adubá-lo, regá-lo e esperar que floresça. Veio esta ideia ao lembrar-me do romance (baseado em factos verídicos) de Mario Vargas Llosa: Tempos Duros, em que uma multinacional americana planta a ideia junto dos media norte-americanos de que a Guatemala – nos anos 50 – era um satélite da URSS, preparando assim o terreno para os políticos – e o público em geral – poderem dar asas à imaginação paranóica.

Voltemos ao citado ensaio. Um dos alvos preferidos do discurso eivado de paranóia, é o Estado. Toda e qualquer decisão executiva que vise empoderar o dito, é visto como um acto programado – logo consciente – e incluído num plano diabólico que tem em vista levar-nos à escravidão. Nesta retórica já não são o comunismo, a maçonaria ou o catolicismo (embora os católicos sejam muitas vezes ligados a vários “males”) que secretamente aumentam o poder do Estado. E, de igual forma, desconsideram a teoria – hegeliana – do Estado se alimentar de si mesmo.

Nestes discursos contra o Estado, os seus oradores atacam, basicamente, todos os que não são tão iluminados quanto eles, desconsiderando todos os que desejam um Estado com responsabilidades sociais, criando a ideia de que quem assim pensa não passa de um acomodado, do género dos que trocam liberdade por segurança. Para estes crentes no individualismo, o primeiro pecado do Estado foram os impostos sobre o rendimento, como nos é apresentado no livro The Income Tax: The Root of All Evil, de Frank Chodorov. Para paranóia não está mal.

Relativamente a estes individualistas – ou ultraliberais – não deixa de ser irónico que são eles próprios produtos da escola pública, que permitiu aos seus pais e avós deixarem de ser servos da gleba, e da saúde pública, que, com as campanhas de vacinação e de redução da mortalidade infantil, p.ex., aumentou a esperança de vida dos seus pais e deles mesmos. Sobre este tema, é obrigatória a leitura de O Reino de Ferro: Uma História da Prússia, de Christopher Clark. Em contraponto, e porque parece estar na moda – tardia digamos – deve ler-se o Atlas Shrugged, de Ayn Rand, que é, todo ele, uma ode ao individualismo extremado – talvez mesmo paranóico – e um hino ao egoísmo.

Por fim e da minha lavra, na nossa terra detecto paranóia em todos os discursos que diminuem e atacam os que defendem valores cristãos. Aí, todo aquele que invoca a sua Fé e a sua submissão aos ditames cristãos é classificado como um retrógrado, um beato, alguém que quer impor a sua crença e não aceita as diferenças. Os cristãos são atirados – não para as feras – mas para as franjas do ultramontanismo; de igual forma, os que chamam de fascista a qualquer um que diga o contrário do que pensam – se o que pensam é de esquerda – também não escapam a serem incluídos no grupo dos que usam a paranóia no seu discurso. Neste caso, ainda juntam a ignorância.

Concluindo, importa realçar a presença no discurso paranóico da crítica violenta a tudo o que não é realizado sob os holofotes. Ora, actos secretos e conspirativos são naturais na estratégia/táctica política. O orador/político “paranóico” eleva a gravidade desses acontecimentos, fazendo desse secretismo – mesmo que ocasional – a força motriz dos seus antagonistas.

Por essa razão, o discurso assente na paranóia vê a história como uma conspiração, posta em movimento por forças demoníacas – transcendentes ao poder – que, para serem derrotadas, precisam de ser combatidas numa luta sem quartel, numa cruzada, e não através da negociação, do Quid pro Quo. O político que navega nestas águas vê-se a si próprio como o último defensor antes do apocalipse, a última linha de defesa. Essa é a sua megalomania. Num outro livro – Norman Cohn: The Pursuit of Millennium -, o megalómano é registado como aquele que se revê como o eleito, que se acha livre de imperfeições e que regista como falhas morais dos opositores: a falibilidade, a “queda” para o compromisso e qualquer imperfeição que, por pequena que seja, se possa imputar a quem pensa de forma diferente. Quer neste livro, quer em obras subsequentes do mesmo autor, é-nos dados a conhecer o papel das fantasias colectivas que levam um grupo de pessoas a querer acabar – para bem da humanidade – com um outro grupo.

Não há, pois, melhor remédio para descortinar e combater as caças às bruxas de hoje, do que conhecer as paranóias do passado.