O Ensino Superior enfrenta um cenário de incerteza como não há memória, naturalmente amplificado por sucessivos ajustamentos à transformação digital, económica e social em curso. Este status quo, que se tem vindo a intensificar ao longo dos últimos anos, coloca alta pressão num sistema bastante denso e complexo, onde o hábito acalentou sempre a estabilidade e a previsibilidade, impulsionando mudanças radicais que obrigam a transformações profundas na sua estrutura e organização mas também no tipo de formação a oferecer e nas formas como a devem entregar aos profissionais do futuro. Se esta era uma realidade já vivida com alguma serenidade nas instituições de ensino superior, para a qual se vinham preparando os necessários ajustamentos, a pandemia veio aumentar drasticamente a pressão e criar um sentimento de urgência que beneficiaram a mobilização das comunidades, mas que também pôs em evidência muitas das fragilidades do sistema. Ao longo de décadas vivemos uma realidade em que ter um diploma de um curso superioro tão desejado ‘canudo’era garantia de um emprego para toda a vida e um selo de validação social. A diferenciação era feita pela aposição de um título antes do nome próprio, e isso era o bastante para se progredir na carreira e na vida. Mas os tempos mudaram, e mudaram muito! Ao longo das duas últimas décadas, a ideia de que já não seria possível garantir um emprego para toda a vida tornou-se uma incontornável certeza.

A ideia de que todos devem ter uma licenciatura aos 21/22 anos de idade e, com isso, estão preparado para uma carreira longa é um conceito que a realidade está rapidamente a demonstrar estar ultrapassado. O facto é que estamos hoje a formar alunos para profissões que muitos deles terão com tarefas e em indústrias que ainda nem sequer conhecemos. Estes cenários de incerteza, a par de uma transformação digital em forte aceleração, fazem com que muitos dos conhecimentos e competências que ensinamos hoje nas escolas estejam em permanente atualização e se tornem até obsoletos no curto prazo.

Mas vivemos também um paradoxo. Enquanto o mundo se transforma em acelerada velocidade, abrindo campo a novas atividades e funções profissionais que se convertem em desconhecidos empregos do futuro, exigindo uma atualização permanente de competências técnicas, tecnológicas e científicas dos profissionais para que possam manter-se eficientes e competitivos, a geração Z veio contrariar a ideia dos múltiplos empregos ao longo da vida, a que geração Millenial já se havia habituado.

Enquanto uns se adaptavam a mudanças radicais no mercado de emprego, em tempos de prosperidade que alimentavam a flexibilidade, a ambição e vontade de se superar, de arriscar e ir mais além através de múltiplas experiências profissionais, a nova geração, plenamente nativa digital, inusitadamente veio privilegiar exatamente o oposto, fruto da instabilidade das recessões e sucessivas crises, que lhes criaram um sentimento de insegurança e incerteza que os faz procurar empregos que tragam estabilidade profissional e financeira.

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Mas então, como podemos prever o futuro ou preparar os alunos para se tornarem profissionais em empregos que ainda não existem e para desafios que não imaginamos?

É consensual a ideia de que o Ensino Superior deve criar cada vez mais espaço para uma variedade de novas formações e credenciais mais ajustadas às necessidades atuais e, mais ainda, às do futuro. Temos que ter a consciência de que vivemos entre a pressão para a transformação digital e modelos de ensino que são praticamente inalterados há largas décadas. E, pelo meio, sucedem-se gerações com vivências e experiências muito diferentes, que nos trazem a todos graus de incerteza a que ninguém está habituado.

Todos admiramos Harvard, e não é para menos. A Universidade de Harvard é a mais conceituada das Universidades no mundo inteiro. É uma instituição que se tornou referência, que tem uma escala que é praticamente impossível de replicar, mas que pode servir-nos de modelo. Se não for por uma questão de método científico, tão característico das universidades, que seja então por uma questão de bechmarking. A Universidade de Harvard, com mais de 380 anos, consegue conjugar a excelência científica e enraizadas tradições com a modernidade e a atualização permanente dos seus currículos. De destacar que foi Harvard, em conjunto com o MIT, que lançou em 2012 a edX, a primeira grande plataforma de e-learning universal, com disponibilização de MOOCs (Massive Open Oline Courses), contando hoje com mais de 150 parceiros que disponibilizam milhares de cursos gratuitos, de mais de 70 áreas de conhecimento, para mais de 40 milhões de utilizadores em todo o mundo.

Esta visão só é possível porque a Universidade de Harvard alimenta uma tradição de revisão curricular global que ocorre de cinco em cinco anos, num compromisso com a “importância de abraçar as mudanças, de correr riscos e de manter a Universidade Harvard jovem”, como afirmou o Reitor Lawrence Summers no seu discurso em 2001, quando exortava toda a comunidade académica, que inclui os professores, os alunos, os ex-alunos e a administração, a repensar o que ensinavam e como ensinavam, tendo em conta a adequação aos contextos e desafios da formação do estudante nos primeiros 25 anos do milénio.

Vale a pena revisitar uma outra citação que nos permite compreender melhor a perspetiva da mudança do Core Curriculum de Harvard: “Numa era de crescente especialização, profissionalização e fragmentação tanto na educação superior como na sociedade mais ampla, reafirmamos o nosso compromisso com uma educação liberal nas artes e ciências. O nosso objetivo é o de prover os estudantes com conhecimentos, habilidades e hábitos de pensamento que os capacitem a beneficiarem-se de uma vida de aprendizagem e a adaptarem-se a mudanças circunstanciais.” (Harvard, 2004)

Ora, é exatamente esta capacidade de adaptação a mudanças circunstanciais que entendo ser a chave do ensino superior do futuro. Basta pensarmos nas mudanças que se têm vindo a propor na União Europeia, que tem vindo a promover e a incentivar amplamente a adoção de metodologias de ensino STEAM (Science, Technology, Engineering, Arts and Mathematics), a par do forte impulso às microcredenciais em formato MOOC.

Na minha opinião, o Ensino Superior pode ir mais além, criando o tal sistema multivariável onde coexistam os ciclos de licenciatura e Mestrados, a par dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais, com as microcredenciais e formações modulares (presencialmente ou on-line), num pipeline de acumulação de créditos em percursos diferenciados e personalizados, tendo por base um core curriculum flexível, em que os futuros alunos possam escalar os níveis de proficiência e especialização, quer ao longo da sua formação inicial, como ao longo da vida. Este cenário preparará, com certeza, os futuros profissionais para contextos de incerteza e de mudança, que seguramente lhes serão fator determinante de resiliência e capacidade de adaptação.

Professor Universitário – ISEC Lisboa. Certificado pela Harvard Graduate School of Education e pela Harvard Business School em School Management and Leadership

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.