O capitalismo moderno — longe que está do “estado selvagem”, desregulado e desabrido que proveio do Século XIX e que foi decorrência directa, na Europa, da Revolução Industrial e do boom económico ímpar que se seguiu – está indiscutivelmente entre as mais engenhosas e benéficas invenções humanas de todos os tempos.

Ele tem sido, na verdade, responsável por um processo de enriquecimento global, de progresso económico e de aumento generalizado dos níveis de bem-estar das pessoas que não tem paralelo na História. Creio que este constituirá um ponto de vista pouco disruptivo e nada surpreendente, pelo menos entre aqueles que, como eu, se reclamam liberais e professam uma convicção profunda na economia de mercado enquanto factor e garante de justiça e melhoria social e económica.

Neste contexto de capitalismo moderno, é inquestionável o papel de relevo que desempenha o mecanismo especulativo. Isto, quer no âmbito do mercado de capitais – que necessita de liquidez e de movimentação constante de oferta e de procura -, quer no âmbito mais genérico da teoria económica, aplicável a todos os intervenientes e participantes no jogo económico.

Com a impossibilidade de se saber o que vai acontecer no longo prazo — explicou Keynes –, torna-se necessário distinguir especulação de investimento. O termo “especulação” está estreitamente ligado à previsão da psicologia do mercado (e, portanto, ao curto prazo), ao passo que o “investimento” tenderá a antecipar o rendimento provável dos bens durante toda a sua existência, operando por isso sobre prazos mais longos.

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Significa isto, está bom de ver, que quem tem a expertise suficiente para dominar a tal “psicologia do mercado” estará colocado numa posição privilegiadíssima para especular com muito sucesso pessoal – duplicar o valor de um imóvel no prazo de 10 meses, por ex., é uma prova cabal de tal competência!

Especular no mercado com um tal nível de sucesso expõe com clareza, por outro lado, as características e as convicções mais intrínsecas de quem faz uso desse mecanismo – a habilidade, a aposta no curto prazo, a argúcia, o imediatismo e a prevalência da táctica de hoje sobre a estratégia para amanhã serão por certo marcas de água das personalidades que assim se posicionam.

Os agentes económicos que actuam dessa forma – e que trabalham em cima do arame e por inspiração da direcção do vento que a cada segundo sopra – costumam suscitar ódios e incompreensões intransponíveis por parte de alguns sectores.

Junto de forças partidárias mais à esquerda, por ex., é habitual serem classificados de neo-liberais, capitalistas selvagens, exploradores, parasitas e outros mimos, normalmente acompanhados rapidamente de propostas de taxas, impostos e os mais tributos que estejam à mão.

Eles representam, numa palavra, tudo aquilo que de mais errado e pernicioso existe no capitalismo e que PCP e Bloco mais detestam, abominam e verberam. São, em suma, os amigos que estes partidos nunca quereriam ter – muito menos andar com eles de mão dada.

Claro que, nos tempos que correm, se um político altamente posicionado no PS, quiçá mesmo o primeiro-ministro, revelasse tais dotes especulativos, o Bloco e o PCP responderiam como sabemos. Virando a cara para o lado, olhando para o chão e envergonhadamente enfiariam a viola no saco. Quem os viu e quem os vê….