Israel é uma nação peculiar. Cercada por países árabes hostis, envolvida numa antiga disputa territorial com a Palestina, é pouco surpreendente que a situação geopolítica seja bastante complexa. Além disso, ao contrário da maior parte dos países da região, as pequenas reservas de petróleo não fazem de Israel uma potência global por inerência, um estatuto que países como a Arábia Saudita ou os Emiratos Árabes Unidos conseguem em certa medida atingir sem propriamente terem que fazer muito por isso. O que é realmente intrigante é como é que um país nestas condições consegue ser uma referência mundial a nível tecnológico e científico.

Talvez a resposta esteja espelhada numa história deliciosa relatada no livro Start-up Nation, de Dan Senor e Saul Singer. Certo dia, um israelita aparentemente pouco carismático chamado Shvat Shaked abordou o então presidente da empresa Paypal, um gigante nos pagamentos eletrónicos. A reunião servia para apresentar um produto, que mais não era que um software que permitiria a deteção de fraudes. Mas a Paypal era líder de mercado, tinha sistemas sofisticadíssimos e pagava a alguns dos melhores engenheiros do mundo para os desenvolver, por isso a empresa minúscula de Shvat não deveria servir para nada. Para o testar, o presidente da Paypal entregou à empresa de Shvat cem mil transações previamente analisadas, achando que tão cedo não ouviria falar de Shvat. Quatro dias depois, Shvat entregou os resultados da sua análise, e, para espanto dos engenheiros da Paypal, a empresa de Shvat foi capaz de produzir resultados mais precisos e mais rapidamente. Como terá isso sido possível? É que Shvat veio do exército israelita, de uma unidade onde a principal função era apanhar terroristas. Fora por isso treinado para desenvolver um sistema que não podia falhar, uma pressão que o tornou tão bom quanto os líderes do mercado.

Esta história serve para demonstrar como uma pequena nação numa situação geopolítica difícil consegue matar dois importantíssimos coelhos de uma cajadada só, investindo em tecnologia com aplicação na defesa. Por um lado, os israelitas estão preparados a nível bélico para uma ameaça que, sendo na maior parte do tempo latente, é constante. Por outro, com a ajuda de uma fortíssima mentalidade empreendedora, foram capazes de transformar estas inovações em aplicações civis, tornando Israel num hub tecnológico que fornece ao mundo produtos de enorme qualidade, o que cria valor acrescentado e consegue assim sustentar uma economia. Ou seja, mesmo sendo óbvio que ter o apoio de potências como os Estados Unidos ajuda, os israelitas perceberam que só teriam futuro se fossem inovadores, porque optando pela solução fácil de comprar armamento a outrem seriam uma nação dependente e demasiado exposta, e hoje seriam certamente mais pobres porque o armamento comprado há algumas décadas atrás para nada serviria atualmente. Isto, claro, assumindo que Israel ainda existiria como nação. Israel é assim uma história sucesso que tinha tudo para não resultar.

Com a ameaça Ucrânia-Rússia prestes a eclodir, parece que despertámos em Portugal para a importância de manter uma defesa preparada. Neste contexto, os israelitas podem ser para nós uma inspiração com a sua sinergia entre setores. Porquê? Portugal possui uma zona económica exclusiva (ZEE) marítima que é das maiores do mundo, e há inclusive a intenção de a expandir. Ora, se queremos manter a soberania sobre uma tão grande área, não nos podemos distrair. Tal deverá desde logo implicar um investimento em defesa, até de forma a reduzir o grau de dependência de alianças militares como a NATO. Contudo, Portugal dificilmente será tão rico como os mais ricos, portanto todos os meios adquiridos serão sempre parcos. Sobra por isso uma opção: a aposta na inovação, em soluções tecnológicas originais com selo português, adequadas às nossas necessidades. Assim, numa primeira instância, uma estratégia deste género acarreta um desenvolvimento óbvio das indústrias naval e bélica. Depois, se as coisas forem bem feitas (leia-se, com os devidos incentivos ao risco), tal como no exemplo israelita, o conhecimento adquirido não ficará apenas na esfera militar. Ao invés, da indústria naval e bélica poderão sair de forma direta spin-offs que transformem estas inovações em aplicações civis, nomeadamente em produtos de alto valor acrescentado. Além disso, indiretamente, as possibilidades serão inúmeras, pois será plausível assumir um consequente desenvolvimento das várias indústrias relacionadas, nas áreas da energia, da eletrónica, da mecânica, aeroespacial, das pescas, etc. Por fim, sustentando isto em capital de risco (quase decerto estrangeiro porque Portugal é um país pobre), conseguir-se-á em tese adequar as apostas às necessidades do mundo, porque evidentemente um investidor só mete dinheiro no que tiver potencial para singrar.

O potencial económico de tudo isto é brutal! Com uma estratégica apurada, estamos perante algo capaz de atrair capital, cérebros, e notoriedade, algo capaz de transformar Portugal simultaneamente numa capital mundial do setor e num hub de talento onde muitos se sentirão estimulados a trabalhar. Estamos, enfim, perante algo que pode impulsionar Portugal para outro patamar competitivo. Mais: não partimos do zero, pois a nossa Academia já está entre as melhores do mundo no que toca ao mar (a título de exemplo, a Universidade de Lisboa é considerada a 6ª melhor do mundo na área da engenharia marítima e dos oceanos, de acordo com o reputado ranking de Shanghai).

Há meia dúzia de séculos, face às dificuldades, os portugueses viraram-se para o mar, de forma semanticamente irónica naqueles tempos uma verdadeira boia de salvação. Hoje, muita coisa no mundo é diferente, mas voltamos a ter uma economia estagnada suspirando por inovação. Os israelitas, vendo-se militarmente enrascados, desenrascaram-se de uma forma muito inteligente. Nós, não estando tão enrascados, poderemos um dia vir a estar. É por isso tempo de envolver poderes instituídos, Universidades, Forças Armadas, indústrias, e a própria sociedade civil, e de desenhar uma estratégia séria que aproveite estas ainda subexploradas potencialidades inerentes ao nosso país. Chegou, enfim, a hora dos Redescobrimentos!

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