Todo o mal fosse o tabaco que tanto tem sido discutido nos últimos dias. Fumo a tapar o mais importante: tal como no famoso Western, a saúde em Portugal transformou-se num faroeste, com bons maus e vilões. E também como no filme, os diferentes atores estão obrigados a unir esforços, no caso pelo bem comum, a saúde, embora as divergências sejam tantas que desaguam num impasse. Daí os gritos de revolta por estes dias, incluindo greves no setor e uma Marcha pela Saúde.

Pela nossa saúde, vale a pena olharmos para os atores desta, dramática para todos nós, coboiada:

No filme, o Bom era Clint Eastwood, o homem sem nome. A nossa saúde também os tem: os seus anónimos profissionais que, contra as adversidades, lá vão segurando o setor à beira do precipício. E não, não é tarefa nada fácil:

  • Os salários são miseráveis – aquele auxiliar que nos ajudou a ir à casa de banho? que nos arranjou um lanchinho? Que nos levou numa maca a fazer exames? Ganha o salário mínimo. Pior: prometeram-lhe uma carreira há mais de 3 anos, aprovada pela Assembleia da República, mas que teima em não ver a luz do dia;
  • Os riscos são elevados, lidando de perto com doenças contagiosas, sem qualquer prémio/subsídio por isso;
  • A falta de meios e de pessoal são crónicas – se os horários já de si são exigentes, incluindo trabalhar toda a noite, ao domingo ou no Natal, tudo se agrava com escalas cheias de buracos, que obrigam o profissional a não saber se à hora de saída não será obrigado a ficar mais um turno para assegurar o serviço;
  • Direitos vários do trabalho, incluindo matérias de parentalidade ou greve, são constantemente atropelados – isto para não falar em coisas caricatas, como num hospital X trabalharem 35 horas e no Y terem que trabalhar 40 horas por semana para o mesmo patrão, o Estado, lhes pagar o mesmo que aos colegas;
  • O ambiente de trabalho é horrível, de cheiros a choros, de stress a agressões, passando por férias suspensas ou coagidos a vacinações;

Etc., etc., enchiam-se páginas com o terrível ambiente a que estão sujeitos aqueles a que ainda há pouco tempo chamávamos heróis.

Porquê? Porque numa história de heróis, também há… vilões: o governo. Quem como reconhecimento do esforço oferece finais da Champions League não podia ter outro papel. Que colhem os louros quando as coisas correm bem, mas que não se envergonham, quando as coisas correm mal, em apontar os profissionais como cobardes ou os portugueses como mal comportados.

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Sim, para os vilões, os maus desta história são mesmo o velhote que morreu no lar porque ninguém o mandou ter sede, a grávida porque ninguém a mandou entrar em trabalhos de parto fora de horas, o tipo que, face à falta de resposta do centro de saúde, vai entupir a urgência, os que bebem, agora os que fumam, no futuro os que comem gorduras, doces, e se calhar até os que recusarem eutanásia.

Que a promessa de médicos de família para todos não tenha sido cumprida? Que a importância dos cuidados continuados seja descurada? Que PPP que até funcionavam bem foram revertidas? Que as verbas dos Orçamentos de Estado, por via de cativações, não tenham passado de promessas vazias? Que as hierarquias e o funcionamento dos serviços sejam medievais? Que a acumulação de consultas, cirurgias, etc. atrasadas seja brutal dada a gestão da pandemia que tudo o resto ofuscou? Que os concursos fiquem vazios? Que com recursos privados com capacidade se privem doentes do acesso a um direito humano? Que o CEO seja um mero espelho do Ministro?

São coisas que a muitos não dá jeito discutir, deixando tudo isto, como no western, todo um setor fundamental, numa espécie de impasse mexicano.

A escolha do final? Poderá estar num espectador especial: o Presidente da República, que após ser cúmplice de um conjunto de ataques à lei, aos portugueses, e à sua saúde, veio agora prometer estar mais atento.

De um lado temos então o Homem sem Nome, que de longe, de cima do seu cavalo, atirou à corda da forca – ele só queria, como os profissionais de saúde, o que é inteiramente justo.

Do outro? Bem, uma notícia desta semana dá conta de que na Alemanha se pondera, face ao seu número crescente, indemnizar lesados pela vacinação. E cá? Cá sabem-nas fazer: quem a levou (dizem-me, não foi o meu caso) assinou um termo a tomar a responsabilidade. Se o caldo aquecer, veremos se esta manobra tem validade jurídica. E depois? Vão culpar o Bacalhau à Brás? Certo é que alguém, como sempre e em todas as áreas com este governo, terá todas as culpas, nem que seja um qualquer motorista.

Como certo é o caos. O caos que o espectador Marcelo Rebelo de Sousa nunca quis ver. Ai, e tal, que ele até já visitou urgências. Pois já, mas o próprio saberá que foi ver um teatro, uma fachada para ele encenada… Se quer mesmo saber, Sr Presidente, meta um bigode, uma peruca e um casacão e vá lá de forma anónima, uma segunda feira qualquer. Verá que, ao contrário de selfies, aqui não há motivos para sorrir…

Valham-nos os desconsiderados profissionais, porque não é por eles que isto está como está.