Perdi a conta às vezes que, na semana passada, recebi a “conclusão” da tese de Feliciano Barreiras Duarte. De facto, o maior problema do ex-secretário geral do PSD não foi o que fez ou não fez em Berkeley: foi que o país o descobriu, leu o que ele tinha escrito, e durante uma semana não se cansou de o admirar com espanto e hilariadade. Rio não compreendeu logo que o seu secretário-geral havia perdido o respeito de toda a gente? Porque preferiu fingir, durante demasiado tempo,  que era uma daquelas questões judiciais em que, antes da condenação, ninguém tem de decidir nada? A vontade de afogar o problema num desses processos arrastados era tão grande que o líder parlamentar do PSD chegou a chamar “arguido” a Barreiras Duarte – demonstrando, mais uma vez, como o ex-secretário geral era atreito a atrair títulos e estatutos indevidos.

De facto, talvez Rio tenha compreendido. Acontece que quem tem Elina Fraga e Salvador Malheiro na sua equipa, não podia aparecer publicamente a afastar Barreiras Duarte. Criaria um precedente para os outros “investigados”. Era preciso salvá-lo, ou, não tendo salvação, levá-lo a sair sem que se visse a mão que o empurrava.

Em Portugal, os aparelhos partidários dão muitas oportunidades a quem não tem mais dotes óbvios para além da manha e da determinação. Nas manobras de secção e de concelhia, um pobre de espírito sem sentido do ridículo, mas desembaraçado e pronto para tudo, é muito mais útil do que um Stephen Hawking. A um bom “operacional” político, não há posição que esteja vedada. Barreiras Duarte não esteve em Berkeley, mas esteve no governo e foi, embora só por um mês, secretário-geral do maior partido parlamentar. Os partidos, mas também as universidades e outras instituições, não são capazes de uma verdadeira selecção. Aqui, uma pessoa não é apenas promovida até ao nível da sua mediocridade – vai mais além.

Talvez do exterior possa vir algum vento para abanar aquilo que Fernando Pessoa, há cem anos, chamou a “oligarquia das bestas”. Foi o que muitos temeram no tempo da “troika”. Por isso, a mediocridade conspira para se entrincheirar e defender. Veja-se, a esse respeito, a entrevista de Rui Rio à RTP, na semana passada. O que inquieta Rio? O mesmo que inquieta todos os “operacionais” políticos deste país. Em primeiro lugar, a justiça; depois, a centralização do Estado. A justiça, porque interfere com os atalhos por onde andam; a centralização, porque a pequena escala é muito mais favorável a estas formas de vida do que a grande escala. Daí, os grandes projectos actuais da oligarquia: por um lado, a submissão da investigação judicial ao poder político; por outro, a partilha do país em “autarquias regionais”, onde os visiting scholars da Universidade de Berkeley possam renovar a gramática e ignorar o bom senso sem serem atormentados por uma opinião pública nacional. Em suma, a impunidade do paroquialismo.

Como Luís Filipe Meneses avisou no domingo passado, por maiores que sejam as “trapalhadas”, Rui Rio pode ser bem sucedido. É que Rio e Barreiras Duarte não representam apenas o desespero da oligarquia para se proteger, mas também a tentação de uma sociedade endividada e envelhecida, ao fim de quase duas décadas de estagnação, para dispensar mais esforços e conformar-se com as suas modéstias e insuficiências. É neste sentido que o presidente do PSD e o seu ex-secretário-geral estão verdadeiramente em sintonia com António Costa e o projecto da “geringonça” de mobilizar os dependentes do Estado para resistir a qualquer mudança. É o fim da história em versão portuguesa. Não se admirem se, à volta do regime, o fedor da mediocridade se tornar cada vez mais intenso.

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