O Afeganistão foi “invadido” por Alexandre, o Grande, por Genghis Khan e Timur-i-Lenk, pelo Califado Abássida, pelos Czares, pelo Império Britânico, pelos Soviéticos e, presentemente, pelos Norte-americanos. Todavia, os Afegãos nunca foram completamente subjugados. De todos estes “invasores”, talvez os árabes, devido ao impacto cultural e religioso, tenham sido quem atingiu mais sucesso. Seja como for, todos os invasores acabaram por sair. Os EUA, como vemos, não serão excepção.

A Realpolitik jamais deixou de exigir vítimas. É irrelevante o enquadramento geopolítico e geoestratégico. É irrelevante perceber se se tratou duma postura preemptiva ou reactiva. É irrelevante saber se a decisão inicial foi tomada por uma administração republicana e terminada por uma democrata. Todas as administrações norte-americanas dos últimos 20 anos – Bush, Obama, Trump e Biden – têm responsabilidades no assunto.

A História é o maior dos professores. Infelizmente, os seres humanos tendem para a repetição. A experiência norte-americana no Afeganistão confirma-o, demonstrando a dificuldade em aprender com os erros. Claramente, nem com a experiência e com as consequências da Operação Ciclone, referenciada por George Crile III, no seu livro Charlie Wilson’s War: The Extraordinary Story of the Largest Covert Operation in History, foram capazes de aprender. Neste contexto, para além do papel dos EUA, na ajuda aos Mujahedeen – quem ainda se lembra do Reagan os receber na Casa Branca e de os ter apelidado de “freedom fighters”? – contra os soviéticos, ter permanecido desconhecido pela maioria do povo afegão, os norte-americanos nada fizeram para ajudar à reconstrução do país.

No rescaldo dos ataques terroristas de 11 de Setembro, a 7 de outubro de 2001, os Americanos, liderando uma coligação internacional, invadiram o Afeganistão para capturar o líder da Al Quaeda, Bin Laden. Vinte anos depois, os EUA estão de saída. Não deixa de ser irónico que tenham sido os Norte-americanos a derrubar o regime talibã e que agora possibilitem o seu regresso. Recordando os motivos que originaram a intervenção no Afeganistão (e no Iraque), a guerra contra o terrorismo, não sei que leitura deve ser feita do regresso do regime talibã e do ressurgimento do Estado Islâmico?

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Da cronologia global de eventos, saliento estes:

Inverno de 2001 – Pelo Acordo de Bona, Hamid Karzai, de etnia pashtun, é designado Presidente interino do Afeganistão (será eleito em dois mandatos consecutivos, 2004 e 2009). A estabilidade política que Karzai possibilitou não voltará a acontecer. Quer em 2014, quer em 2019, não será possível encontrar um vencedor claro nas eleições presidenciais e mediante as reivindicações dos favoritos, Ashraf Ghani e Abdullah Abdullah, os EUA são forçados a dividir o poder.

Verão de 2006 – O crescente envolvimento dos EUA no Iraque possibilitou o ressurgimento dos talibãs que recomeçaram a tomar territórios nas áreas rurais do Sul. Até 2018, através de ataques às forças afegãs e norte-americanas, os talibãs dominarão quase metade do país.

Inverno de 2014 – As tropas americanas e da NATO encerram formalmente sua missão de combate, passando para uma função de suporte e de treino ao exército afegão.

Verão de 2015 – Uma afiliada do Estado Islâmico surge no Leste do Afeganistão.

Outono de 2018 – Na sequência das promessas eleitorais sobre o regresso dos militares, o Presidente Trump nomeou o veterano diplomata afegão-americano Zalmay Khalilzad como negociador. As negociações, que se prologaram até 2019, não deram em nada porque os talibãs não aceitaram dialogar com o governo de Cabul (apenas com os Americanos), nem deixaram de conquistar mais territórios.

Verão de 2019 – A violência cresce em Cabul. O Estado Islâmico realiza ataques brutais num casamento, numa maternidade e numa escola.

Inverno de 2020 – Os EUA e o talibãs assinam um acordo em Doha, que prevê um cronograma para a retirada dos soldados americanos ainda no Afeganistão e a interrupção dos ataques dos insurgentes aos americanos.

Inverno de 2021 – Finalmente. após seis meses de atraso, as negociações entre o governo afegão e os talibãs realizam-se no Qatar. Porém, não houve entendimento. O Presidente Ghani recusou um governo de unidade e os talibãs rejeitaram um cessar-fogo com o governo afegão.

15 de Agosto de 2021 – O Presidente Ashraf Ghani abandona o Afeganistão. Os talibãs entram no palácio presidencial e declaram o fim da guerra. O caos no aeroporto de Cabul faz lembrar Saigão em 1975.

Os avisos de Jeane Kirkpatrick, James Schlesinger e de Richard Holbrooke perderam-se no tempo e os resultados estão à vista. Internacionalmente, o nível de confiança nos EUA e NATO vai diminuir. Para já, quem ganha é a China e a Rússia. Estaremos perante o fim da Pax Americana? E que efeitos ocorrerão num mundo ocidental profundamente polarizado?

Com mais ou menos probabilidade, tudo está em aberto. Desde uma transição de poder pacífica, passando por uma repetição do período em que o poder esteve dividido e que originou uma guerra civil (1992-1996) até à rigidez governativa dos talibãs. O que acontecer agora no Afeganistão vai ser determinante para avaliar as consequências. Mas não consigo afastar uma sensação de frustração, de que ficámos aquém do expectável, de que defraudámos as expectativas de muitas pessoas e de que a guerra ao terrorismo não acabou.