As redes sociais fomentam a fruição do instante, a imagem e a emoção, versus o texto e a reflexão mais ponderada. Não será que vivemos a morte do texto? Mas ainda há o Twitter, em que promove o texto e o debate, no entanto redunda na selvajaria, segundo alguns. Dado o seu algoritmo parecer beneficiar polémicas e divisões. Pelo contrário, os algoritmos do Facebook (da Meta?) favorecem mais a positividade e não a controvérsia, segundo o seu fundador. Mesmo com os pontos negativos todos das redes sociais, cada um tem a sua função e ainda não saímos de lá. Antes pelo contrário, cada vez gastamos mais tempo com elas.

Eu sei, um sinal de que estou a ficar velho é não estar no Instagram. Ou estar menos, pois já estive. Ou no TikTok, mas vamos ao Instagram pois é mais abrangente e com mais membros. Mesmo que, segundo os números, o Facebook seja a maior rede social do mundo em número de utilizadores. De facto, o Instagram tem membros numa faixa etária mais jovem. Para além disso, a rede social de eleição para tudo o que é novo e quer ser da moda. No Instagram, a imagem e o instante são reis e como diz o nome, o que interessa é partilhar o instante vivido, sem grandes filosofias e elucubrações.

Mesmo que não seja a nova tendência ou grito, o Instagram é a rede social do momento, pois nunca celebrámos tanto o instante presente. Não o passado, não o futuro, este momento, o presente. O meu bacalhau à Brás, o pôr do sol na praia paradisíaca, o sorriso do meu filho. Sem grandes conversas, deixar o momento ser o rei de toda a minha existência e que todos o saibam. Depois, o Instagram é também uma grande plataforma para autopromoção, não só pessoal, mas também de marcas e negócios. Eu desço no scroll, ou percorro as “stories” e consigo num instante ver o momento em que o meu amigo (muitos dos quais com quem nunca estive pessoalmente) esteve a tirar uma foto perfeita e com os filtros adequados no topo de Machu Picchu ou nas praias das Maldivas. Nunca na história houve tantos utilizadores de redes sociais e cada vez as pessoas passam mais tempo nelas (como os jovens) e nunca consumiram tanto multimédia, como interagiram na internet, como agora. 75% das pessoas estão nas redes sociais. Nunca é demais dizer, pois não só faz parte da nossa vida como toma conta dela.

Pois, o problema é que tudo o que eu sou é filosofia e elucubrações. Mas qual o meu problema? Antissocial? Não propriamente. Percebo as pessoas que estão no Instagram mais do que em outras redes sociais. Também gosto de momentos e de os celebrar, não quero ser o sociólogo aborrecido que com o seu gato nos braços e à janela, cospe na turba ignara que se passeia na rua, como se fossem espécie inferior porque não percebem os mistérios da filosofia e da arte. Não. Sempre abominei essa figura fora da realidade, mesmo que tenha paixão pela filosofia e pela arte.

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Caímos, sim, no extremo do culto da imagem e do som. A palavra divide, é verdade, mas também orienta para um lado específico. Fruição sem um Logos, é uma vida sem propósito ou sentido. É preciso existir um sentido, uma visão, um objetivo, algo por que se lute. Os jovens lutam pelas causas climáticas. Ok, muito bem, mas chega? Os algoritmos premeiam as visualizações de imagem e não de texto em certas redes sociais. Experimentem partilhar uma imagem pessoal ou um texto sobre um tema e vejam o número de visualizações. O próprio marketing vive do poder persuasivo e comunicativo da imagem sobre o texto. E quanto mais simples e emotivo, melhor.

Voltando ao Instagram. Já Steiner dizia em “In Bluebeard’s Castle” que após a II Guerra e a emergência da sociedade de consumo, nos anos 60 e 70 surgiu, com a música Pop o primado da música e da imagem como grandes descodificadores de sentido para as pessoas e para isso sacrificaram-se as palavras – o Logos – a argumentação, a lógica e a filosofia. Deixou de se filosofar para todos nos anestesiarmos com as batidas da bateria e os trinados da guitarra e a imagem passou a substituir a palavra como síntese de sentido e corta-mato de acesso ao sentimento. Os valores tradicionais deixaram de interessar, o Logos, a argumentação, a “verdade” cada vez se tornou mais “relativa” e a música oferece uma nova epistemologia, a que não lida com palavras que dividem, mas sons que unem as comunidades. A imagem tornou-se o descodificador mais direto para o desejo e ao serviço da fruição do momento e da vivência comunitária. Jordan Peterson com piada dizia que os miúdos niilistas (que não acreditam em nada) quando ouvem punk e fazem moches e abanam a cabeça, não se pode dizer que não acreditem em nada. Naquilo acreditam, naquele código de sentido, também comunitário. Eu cresci a ouvir Nirvana, agora fenómeno pop e tão idolatrado em t-shirts pela geração mais jovem atual. Se havia algo no grunge e propalado por Kurt Cobain era o “I don’t care”, o desprezo pela ordem dos pais e pelos valores ocidentais, apenas contando a fruição da batida e do momento. Se calhar é por isso que não existe canção que retrate melhor a energia e vontade de alheamento como “Smells like teen spirit”. Pergunto-me se hoje esta energia se mantém, pois já seria algo de bom, usado nas coisas certas. Hoje vejo muitos jovens que mais parecem velhos. Mas isso seria outro artigo.

Não tenho nada contra isto, amo tudo o que é música e imagem, desde que me diga algo. E mesmo que não me diga e me sinta bem a ouvir (ainda dou uns valentes abanões de cabeça a ouvir Nirvana). Dou muitas graças a esta arte que Nietzsche afirmava como se não existisse, tornava a vida muito penosa. Concordo inteiramente com ele. A cultura é o elemento que dá sabor à vida. Como dizia Miguel Esteves Cardoso recentemente, “Sem o prazer, é tudo uma estucha”.

O nosso tempo não deixou de valorizar este primado da imagem sobre o texto. Consulte-se os números quanto aos hábitos de leitura. Ler tornou-se atividade de uma elite e de um grupo restrito. Há muitas pessoas que já não têm paciência para textos. A imagem basta e vale mil palavras. E o “atention span” está cada vez mais curto para as pessoas. Veja-se o sucesso dos vídeos curtos no TikTok, é isto mesmo. Não há tempo para nada mais e o imediato é o que conta e vale. Ler e refletir fica para depois (ou para nunca). E é tão importante.

Além disso, posso promover-me e sentir-me melhor comigo porque me mostro feliz e bonito. Esta é outra premissa que me faz confusão, a vaidade associada ao Instagram. E que muitas vezes corresponde a um balão furado. Vejam-se os casos de tanta gente que apenas se realiza como pessoa em proporção dos likes e das visualizações. Razão pela qual até o Instagram decidiu que os likes dos posts deixassem de estar visíveis. A comparação entre as pessoas estava a causar sentimentos não muito amigos da alegria supostamente associada à partilha de momentos: ansiedade, inveja e depressão. Muitas pessoas, ao contrário de se sentirem inspiradas, sentem-se miseráveis ao baixar o scroll do Instagram. Mas esse não é o ponto. Em favor da fruição, fica um travo a muita futilidade. Não há texto, mas também muita falta de massa cinzenta e demasiado bling-bling.

Mas, depois, dir-me-ão: há muito texto e debate no Twitter, por exemplo, mas também violentas discussões, e no Facebook – e no Reddit? – e é muitas vezes um caos. Para isso, mais vale partilhar imagens e evita-se polémicas, dir-me-ão. Percebo perfeitamente. E assim, cada rede social tem o seu propósito. É verdade que estamos todos agarrados às redes e não queremos, passamos demasiado tempo nelas, caímos nas armadilhas do algoritmo que permanentemente nos mantém online e nos sugere mais coisas de que gostamos e muitas vezes de que não gostamos. Era bom ser eterno e poder visualizar tudo o que o algoritmo nos sugere, ele é tão nosso amigo que nos oferece o que queremos e com quem nos devemos relacionar (sim, não considerem estranho aparecer-vos só algumas pessoas no Feed das redes sociais, escolhidas pelo nosso amiguinho algoritmo). O Nudge. O que é o Nudge? Uma área da economia comportamental que influencia o comportamento e que é muito usada pelos algoritmos das redes sociais. Por exemplo, eu vejo um vídeo do Youtube e a seguir a plataforma sugere-me outro vídeo consoante as minhas preferências registadas com base na minha utilização do serviço. Nudging é influenciar com opções do nosso interesse, sem proibir à partida nenhuma hipótese. Pode funcionar de forma positiva para incentivar comportamentos positivos, como desenhar um caixote do lixo mais amigo de deitar lá o lixo, mas também para nos viciar nas redes sociais, manipulando os nossos dados.

Isto é tudo muito bonito e criticamos as redes, mas continuamos todos lá. Eu continuo e considero-as uma das invenções mais prodigiosas da humanidade, e creio também que faz mais bem que mal. Desde o dia em que representei uma rede social e geri uma plataforma com milhares de utilizadores, percebi melhor que nunca na história foi possível ligar tantas pessoas. Pode servir para mal, mas para bem também. E penso que serve mais para bem. É um meio neutro, a sua utilidade depende mais do que fazemos dela do que dela própria. E se há mundo imperfeito é o nosso, mas é o melhor que temos.

No segundo texto falarei de outra manifestação de que o texto – a palavra – está verdadeiramente ameaçada, mas essa, penso, é ainda mais preocupante do que as redes sociais. Até lá.