Continuando o meu primeiro artigo aqui no Observador, agora apresento outra possível ameaça ao texto escrito, à palavra, à criatividade e conhecimento gerado por humanos: o tão falado nos últimos meses “Chatbot” ChatGPT e softwares similares, baseados em inteligência artificial. Ao início, mesmo eu, entusiasta da tecnologia, senti-me abismado e aterrorizado com as possibilidades infindáveis e perniciosas que este software – ChatGPT – poderia ter na humanidade. Depois fui usá-lo e acalmei-me um pouco. Fiquei maravilhado com as suas possibilidades. Senti-me como que a conversar com um ser Hiper inteligente e que me auxilia, mais do que faz por mim as coisas. Por exemplo, na minha área de investigação académica, questionei-o sobre um dado tema e o que estava escrito na literatura. Rapidamente me deu muitas ideias, metodologias, softwares, linhas de investigação, e “research gaps”, como se diz na gíria. E fê-lo de uma forma sucinta, clara e ofereceu-me conteúdo muito interessante, útil e bem estruturado. Depois questionei-o sobre se não seríamos substituídos por máquinas como o ChatGPT (02.02.23). Vejam o que me respondeu:

Em suma, é um assistente inteligente e que nos auxilia e tira trabalho em várias áreas, mas o principal tem de ser feito por nós. Ele diz-nos que não tem “criatividade, empatia e espírito crítico” como os humanos.

Vivemos na chamada “Web 3”, a fase da “Semantic Web” aquela que não só é de leitura (Web 1), de interação e criação de conteúdo (Web 2), mas de interação inteligente (sugere-nos conteúdos e ligações baseados nas nossas preferências) (Almeida, 2017). A democratização da inteligência artificial e o uso de tecnologias como o machine learning, as redes neuronais e o natural language processing, parecem permitir-nos aceder a outro nível em que interagimos cada vez mais com as máquinas, que se diferenciam gradualmente menos de nós, não apenas nos sugerem conteúdos, como o Google, mas contribuem para o output final do trabalho que temos em mãos. Será a tal Web 4.0? Essa é outra discussão ainda não acabada. Esta tecnologia já existia, apenas se torna acessível ao utilizador comum e numa escala nunca vista.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mais à frente na minha conversa com o robot, questionei-o sobre como é que vamos distinguir no futuro um poema, um texto jornalístico, uma obra de ficção real de uma escrita pelo ChatGPT. Ele foi bastante detalhado nas diferenças existentes:

Insisti no tema e ele rematou com: “it is important to keep in mind that text generated by AI models is constantly improving, and the distinction between the two may become less clear in the future” (ChatGPT, 02.02.23). Passamos então agora aos riscos. Para além de uma ferramenta muito útil, pode ser também das maiores ameaças à criatividade e conhecimento nos últimos tempos? Dissequemo-los:

  1. Pensemos em trabalhos académicos escritos. O ChatGPT parece não fazer o trabalho todo. Como disse, é antes um “orientador digital”. Podem-se seguir as sugestões dadas, mas temos de as confirmar na realidade, fazer o “fact check”. Há reporte de vários erros factuais do programa, até de cálculo. Em segundo lugar, pela experiência do uso aqui descrito, o ChatBot deu-me um texto de meia página. Mas podemos continuar a interagir com o “Bot” e ter o trabalho todo feito? Para além do “fact check”, ficam a faltar também as citações, aí é que a porca torce o rabo! Enfim, o que pretendo dizer é que tal como a máquina calculadora, como dizia o economista Luís Cabral no Expresso (27.01.23), é um auxiliador, não faz o trabalho por nós. Há ainda o perigo de não fomentar o pensamento crítico e promover a preguiça. Mas, dir-me-ão, também com a calculadora, nos facilitou o trabalho, mas não o retirou. Ou, até, com a invenção do automóvel. Antes de se inventar o cinto de segurança e o airbag, morríamos ao volante mais facilmente. Muitas tecnologias começaram de uma forma e apresentavam várias arestas por limar e estas foram sendo melhoradas. Este sistema não é diferente. A versão presente do software agora disponível é de teste e está a receber todos os contributos dos utilizadores; de seguida receberá 10 mil milhões de euros de investimento da Microsoft (e terá resposta da Google) para que possa ser algo muito mais desenvolvido, talvez correspondendo à visão que o Bot me deu? Mas aí não nos substituirá? Enfrentaremos o problema de ser difícil distinguir um texto académico feito pelo “Bot” e por um humano? Provavelmente, sim, mas neste ponto em que estamos, no máximo, o que pode acontecer é deixar de se avaliar trabalhos escritos como elemento de avaliação com uma ponderação grande na nota final e voltarmos à exclusividade da avaliação presencial síncrona e com vigilância redobrada. Ou então passar a dar um peso maior a este elemento na nota final. E no que toca a nova produção de ciência? Aqueles que não são apenas um retrato do que existe, como por exemplo um estudo de Mestrado, mas um estudo a partir do de Doutoramento e publicações científicas. Com tudo o que tem de desafiante detetar o que é verdadeiramente novo, um “Bot” terá dificuldade no desenvolvimento de research gaps, pelo que vemos. Não falo dos que o programa me deu, aparentemente eram retirados de estudos científicos que assinalavam as limitações e futuros caminhos de investigação. Falo de linhas de investigação não seguidas e ideadas. Provavelmente, e por isso, não torna o software perigoso, mas antes um auxiliador que torna a nossa vida mais eficiente e produtiva. Em lugar de pesquisas esgotantes, poderemos reservar esse tempo para produzir muito mais, ou estar com os nossos filhos ou beber um copo de vinho.
  1. E na imagem e som, outros softwares deste tipo não ameaçarão a confiança generalizada? A primeira capa de revista inteiramente feita por algoritmo foi publicada na Cosmopolitan, recorrendo a outro software similar, o DALL-E 2. Por mais que se argumente que se podem contornar as fraudes e abusos do uso do software e se crie regulação ou até outras formas de avaliar, serão eficazes e saberemos se uma imagem é humana? Como poderemos no futuro distinguir uma obra de arte, um poema, uma canção de um humano da de um robot? Recentemente enviaram a Nick Cave uma letra de canção feita no ChatGPT supostamente similar ao seu estilo de canções. O mesmo detestou e afirmou que isto é o “apocalipse”. Ele, se calhar, não se devia preocupar pois basta-lhe assobiar e já é uma canção. Não quero falar do que não sei e se outros softwares serão diferentes ou não, mas se forem como o ChatGPT afirma, com criatividade limitada, cria conteúdos baseando-se se no que foi treinado e em exemplos passados, não existe perigo maior. A verdadeira arte é influência, já dizia Harold Bloom, na sua obra “A angústia da influência”, mas também é algo de novo. Criar algo de novo é eminentemente humano. Também podemos argumentar que má arte sempre existiu e que os copiadores são má arte. Tal como mau conhecimento.

Mas tanto mais há a dizer. Em suma, da minha experiência de uso fica uma boa perspetiva das potencialidades do ChatGPT como ferramenta muito útil, por exemplo, para o trabalho académico. Mas a tecnologia está ainda numa fase muito inicial de desenvolvimento. Será que os robots conseguirão ultrapassar as capacidades humanas de criatividade, empatia e espírito crítico? Parece que não, mas o futuro a Deus pertence. E aos robots.