Antes de avançar, convido o leitor a consultar os fundamentos das principais ideologias políticas que moldam genericamente os nossos modelos de sociedade modernos.

Como já sei que esse processo é capaz de levar um tempo, vou direto ao assunto (mantendo, naturalmente, o convite). Spoiler alert: nenhuma ideologia nos dá uma resposta prática e contundente a este problema de tipo novo.

Sendo um problema de tipo novo, ao qual nenhuma ideologia responde, é previsível que esta tempestade, e o furacão que se sucederá a ela, culmine em novas propostas, umas mais intelectuais, outras mais populistas, para o nosso modelo de sociedade.

Esta primeira premissa levanta-me uma preocupação: é mais fácil ao povo compreender as propostas simplistas de um populista, que os argumentos mais ou menos sofisticados de um intelectual.

Mas, vamos por partes, até porque gostava de explicar que depois desta tempestade, não virá a bonança, mas sim, um furacão que colocará em risco as nossas liberdades.

1 A aparente vitória dos moderados na altura da tempestade, fará emergir os extremistas na altura do furacão.

O contexto atual parece estar a fortalecer os moderados.

Veja-se em Portugal o aumento da popularidade de dois líderes do centro político (António Costa e Rui Rio) que, de forma sensata e com sentido de Estado, procuram consensos e diminuem a histeria típica do debate político.

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Por outro lado, vejam-se os populistas, com as duas referências da América do Norte e do Sul à cabeça, que parecem destruir-se a cada intervenção pública que fazem.

Desenganem-se: as debilidades económicas, o aumento das taxas de desemprego e a perda do poder de compra, associados a níveis de desinformação sem precedentes potenciados pelas redes sociais e pelas aplicações de messaging, fomentarão a partilha de falsas notícias e o aparecimento de novos atores populistas.

Os populismos, de esquerda e de direita, são particularmente apetecíveis em situações de furacão económico e social e, se a história não nos mentir, os mesmos acabam, irremediavelmente, por se transformar em regimes autoritários com apoio social que nada mais fazem do que reprimir progressivamente as nossas liberdades.

2 As atividades económicas que, pela sua dimensão não resistirem à tempestade, serão agregadas em cadeias de valor digitais e as desigualdades tenderão a aumentar.

No meio da tempestade parecem emergir já potenciais vencedores: em primeira linha, o advento da economia digital parece agora ganhar o folego que lhe faltava: fechados em casa, profissionais e trabalhadores de várias indústrias parecem adaptar-se rapidamente a plataformas remotas. As nossas interações sociais são feitas através de um ecrã e o nosso consumo de produtos e serviços transfere-se rapidamente para o digital, quebrando vários pressupostos que, em tese, deveriam contribuir para o aumento das nossas liberdades individuais (quem nunca pediu para ficar a trabalhar por casa para ter uma vida mais equilibrada, que lance a primeira pedra).

Também os setores associados a bens essenciais parecem não sofrer ainda dramaticamente com esta crise e aproveitam para acelerar o desenvolvimento e entrega dos seus serviços em plataformas digitais (com balcões e lojas fechadas empresas de utilities e do setor financeiro, dão-nos nota para instalar e utilizar as suas aplicações) e as compras online, sobretudo no retalho alimentar moderno, sofrem a maior procura de que há memória.

Por outro lado, pequenos negócios e atividades profissionais precárias, rapidamente perdem a liquidez que lhes permitia sobreviver e, já hoje, vemos situações de perda de emprego e de rendimentos de um mês para o outro que tendem a escapar aos olhos desatentos dos media tradicionais (que à data estão particularmente monotemáticos).

Ora, do furacão irá (i) emergir uma pobreza estrutural em classes sociais que, já hoje, vivem com rendimentos ao mês ou à semana, (ii) um conjunto de novos desempregados por extinção de postos de trabalho (por exemplo, cada problema resolvido numa aplicação, é menos um problema que é encaminhado para um call center) e (iii) uma transferência de empregabilidade para atividades relativamente precárias dominadas por plataformas digitais (os “Ubers” da vida, aos quais damos o nome pomposo de gig economy, e que disfarçam uma lógica de trabalho precário e de pequenos rendimentos centrados nas decisões da plataforma/intermediário).

Este será o novo proletariado que, desesperado pela perda da sua liberdade económica e sem ver uma porta que seja para entrar no elevador social, encontrará respostas em regimes populistas.

Sem liberdade económica e financeira, não há liberdade.

3 Fechado em casa durante a tempestade, será no meio do furacão que o povo sairá à rua.

#stayhome dizem eles nas redes sociais, enquanto se propagam os desafios e histórias de Instagram e Tik Toks.

O período de isolamento social já está a criar vítimas, sobretudo as enunciadas no ponto 2 deste artigo. Vítimas essas que temo, em virtude do desespero, se vejam a alargar em número e, através das mesmas redes sociais onde hoje se propagam vídeos e desafios, passem a receber palavras de revolta e convites para participar em movimentos inorgânicos, aproveitados por líderes populistas e carismáticos que encabeçarão esses movimentos.

Essa hipótese, tenderá a provocar momentos de extrema convulsão social, eventualmente mais extremados em violência do que aqueles que, ao longo dos últimos anos, temos visto assolar esporadicamente as nossas democracias ocidentais.

A desinformação e o desespero serão o maior atentado às nossas liberdades, porque perdendo a liberdade para formar a nossa opinião com informação fidedigna iremos atrás daqueles que nos deem respostas simplistas.

Posto isto, apenas o Estado tem, neste momento, os instrumentos para garantir a nossa liberdade: a injeção de dinheiro nas economias (que passarão de economias de capital a economias de dívida), a identificação de soluções de apoio a empresas e famílias garantindo rendimentos e liquidez (ainda que parcialmente) e a procura de soluções moderadas quer nacionalmente, quer no quadro da Comunidade Europeia (fundamental para responder de forma solidária e contundente a esta contingência) são críticos para que depois da tempestade possa resultar a vitória dos moderados no meio do furacão.

E quem são esses moderados? Aqueles que garantam um socialismo liberal, fugindo (i) à hipótese populista de esquerda que passará eventualmente por redistribuir até não haver mais nada para dar ou (ii) à junção entre neoliberais, nacionalistas e populistas autoritários de direita que têm visto as suas taxas de aprovação aumentar ao longo dos últimos anos.

Não há nada mais liberal neste momento que defender o papel do Estado no sentido de proteger, dentro do possível, as nossas liberdades individuais.

Fica-me uma certeza: de pouco servirá a liberdade de escolha se pouco tivermos para escolher.