Vamos substituindo as relações com humanos (difíceis e paritárias) pelas relações com animais (fáceis e dominadoras)
Daniel Oliveira

O Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) produziu recentemente uma reflexão e recomendação à Assembleia da República e ao Governo sobre a gestão sustentável de Áreas Protegidas (AP) no quadro do Pacto Ecológico Europeu.

Considera o CNADS que “o modo como as AP têm sido geridas em Portugal não se coaduna com as novas condições e necessidades que se criaram, nem responde aos atuais desígnios europeus”, e, de facto, isso não é nenhuma novidade: das estufas do SW às pedreiras da Arrábida, passando pelos incêndios na Serra da Estrela ou os lobos mortos no Gerês, exemplos de conflitos com a natureza nas nossas AP não têm faltado.

Não obstante, a gestão destas áreas é em Portugal bastante complexa. O CNADS aponta à particularidade de se inserirem em territórios maioritariamente detidos por proprietários privados e ocupados por atividades económicas desconetadas da gestão dos valores naturais que presidiram à sua criação, no que chama “falta de autoridade do Estado sobre os territórios privados”. Eu não lhe chamaria falta de autoridade, antes falta de capacidade: as razões, que o CNADS não quis detalhar, para a singularidade portuguesa de termos 90% das suas AP em propriedades privadas, quando o normal a nível internacional é serem maioritariamente públicas são simples: falta de dinheiro. Igualmente muitas das atividades desconetadas referidas são anteriores à criação das próprias AP (veja-se a centenária cimenteira na Arrábida. Há muito que lá estava quando o Parque Natural foi criado. Como Sócrates dizia há mais de uma década numa visita ao local: se calhar aquilo não devia ser AP. Pois, se não havia verba para indemnizar a saída da atividade privada pré-existente, se calhar não…). Voltamos ao mesmo: pouco dinheiro.

Olhando ao conjunto de recomendações – em que se incluem: dotação orçamental, bem como de recursos humanos, das AP, remuneração de serviços de ecossistema, reforço na área da comunicação, e mesmo aquisição de terrenos – novamente o mesmo problema salta à vista: não são calculados custos, mas não é preciso ser adivinho para perceber que é preciso muito dinheiro.

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Neste contexto surge a proposta da aplicação do princípio do utilizador-pagador, por exemplo, através da criação de taxas de permanência e/ou portagens de acesso. Diz o CNADS que as primeiras são análogas às taxas turísticas em cidades. Aquelas que foram consideradas ilegais? Assim como se faz a analogia das segundas às taxas introduzidas em inúmeras áreas protegidas internacionais. Pois, mas uma coisa é cobrar entrada para um parque público, vedado, desabitado. Outra muito diferente é aplicar o mesmo a áreas onde todos os dias as pessoas vivem, trabalham, etc. Mais ainda em zonas pobres, onde pouca gente vai, não me parecendo que pagando mais, passem a ir mais.

Se destruímos casas para passar uma autoestrada, não passa pela cabeça de ninguém que o dono da casa não seja ressarcido. Logo, fazer uma AP não é desenhar um mapa e tirar de lá as pessoas sem as ressarcir por isso. O que a sociedade precisa perceber claramente é: a conservação da natureza custa dinheiro, e sendo matéria de interesse público, interesse de todos, tem que ser paga por todos. Ou então ver alguns dos nosso animais só será possível em zoológicos.

Ora por falar em zoológicos, o PAN defende para Lisboa a reconversão do Zoo e sua transformação num “Santuário de Vida Animal”. Nas palavras da candidata Manuela Gonzaga: “Isto é uma coisa horrível. É um insulto à nossa humanidade. E pagar-se para ir ver isto? Não. Isto tem que acabar”. Saltando por cima da importância dos zoológicos na conservação de espécies, na educação ambiental e até no conforto animal – ok, os animais estão em cativeiro, mas a maioria destes embaixadores nunca poderia viver em liberdade e vivem muitas vezes em melhores condições que muitos cãezinhos e gatinhos em apartamentos ou nalguns desses autointitulados santuários, nome pomposo para muitos canis ilegais – há ainda a objeção à atividade económica. Consequentemente, mais um destino para os nossos impostos.

Efetivamente, como também diz o CNADS, vivemos um contexto de gradual urbanização da população (prevê-se que 68% da população mundial viva em aglomerados urbanos até 2050), mas é discutível que essa população urbana priorize AP. Com santuários para peixinhos de aquário, paraísos para tartarugas, cidades para cães e gatos, etc. muitos são os novos – e artificiais – desígnios a competir pelo escasso dinheiro disponível para conservar a natureza.