Começo por fazer uma declaração de interesses e dizer que de gestão de recursos hídricos pouco, ou nada, percebo. Sei, no entanto, olhar para os números e perceber que o problema da gestão da água não pode ser apontado ao golfe. O golfe não pode continuar a ser o elefante na sala quando existem sectores que consomem mais água e têm um impacto menor na economia e na sociedade.

A seca meteorológica que se iniciou em novembro de 2021 e se agravou em Janeiro de 2022, volta a trazer “à baila” o tema dos consumos de agua nos campos de golfe, em particular na região do Algarve.

A 25 de Janeiro 54% do território nacional está em situação de seca moderada, 34% em seca    severa e 11% em seca extrema, fruto de precipitações muito inferiores aos valores considerados normais.

Ora, sempre que vivemos este triste fenómeno – de forma cada vez mais recorrente – levantam-se as vozes críticas ao consumo de água por parte dos campos de golfe, sobretudo nas zonas mais afectadas pela seca, tal como o Algarve.

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O consumo deste precioso recurso natural, cujas quantidades disponíveis têm vindo a diminuir, tem estado nas agendas políticas nacionais e regionais, mas, nem sempre, com soluções e projectos que, efectivamente, contribuam para uma melhor gestão dos recursos hídricos, muitas vezes alegando-se a indisponibilidade financeira para o desenvolvimento dos mesmos. A falta de investimento na gestão dos recursos hídricos deve ser questionada aos Ministérios do Ambiente e da Acção Climática e da Agricultura.

Urge encontrar soluções sustentáveis – como, entre outras, o uso de Águas Residuais Tratadas (ART) provenientes de ETARs (Estações de Tratamento de Águas Residuais), e a produção de água potável por dessalinização – que reduzam a necessidade de utilização de águas das reservas hídricas. Adicionalmente, e sem querer descurar os efeitos da seca, importa perceber os efeitos económicos e ambientais das perdas de água nas redes de abastecimento publicas, que perdem 188.000 Milhões de litros por ano – suficiente para regar 400 a 500 campos de golfe.

A título de exemplo, Espanha – o país que mais reutiliza ART na Europa – tem cerca de 2.000 ETARs e reutiliza cerca de 13% das ART, sendo cerca de 71% da ART utilizada na agricultura. Além das ETARs, o país vizinho tem mais de 700 centros de dessalinização.

Israel utiliza água reciclada para a agricultura e, actualmente, conta com 67 estações de tratamento de água que reciclam cerca de 90% da água utilizada no consumo doméstico. Neste país – onde a falta de água é uma questão muito séria – conta com 5 centrais de dessalinização de água e tem em curso um conjunto de campanhas para sensibilizar a população quanto à necessidade de uma gestão eficaz da água ao nível doméstico.

Contudo, em Portugal continental, ainda são poucos os sistemas que produzem águas residuais tratadas para reutilização. Segundo a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), em 2019, apenas 32 entidades gestoras, das quais 22 em baixa e 10 em alta, produziram águas residuais tratadas para reutilização, correspondendo a 8,4 milhões de metros cúbicos, ou seja, apenas cerca de 1,2 % da água residual tratada em estações de tratamento. Salienta-se ainda que a maior parte da água residual tratada foi utilizada pelas entidades gestoras para uso próprio e que apenas 16 % foi fornecida a outras entidades para ser reutilizada.

No que ao consumo de água por parte dos campos de golfe concerne, e focando-me no Algarve, importa salientar o facto de estes consumirem apenas 6,4% do total de água consumido nesta região. O sector que mais água consome é o agrícola, com 56,7%, seguindo-se o consumo urbano com 28,6%.

Mas se, por um lado, a administração central e local está mais reticente quanto ao investimento em projectos como as ETAR e dessalinização, por outro, os proprietários e gestores dos campos de golfe tem vindo a realizar investimentos significativos para melhoria do controlo e da gestão da rega, com o intuito de aumentar a sua eficiência e eficácia e assim reduzir o consumo de água, como por exemplo na aquisição de estações meteorológica, de sondas de humidade do solo, e de sensores móveis.

Paralelamente, nos últimos anos foram introduzidas alterações nas áreas relvadas, que visam igualmente reduzir o consumo de água – mais de metade dos campos da Região do Algarve reduziram a sua área total regada, e a maioria já utiliza de a relvas de clima quente (C4) que são mais eficientes no uso de água e mais resistentes a condições de défice hídrico.

Importa também ter em linha de conta aquilo que é o impacto socioeconómico do golfe nesta região. O golfe representa cerca de 13% do VAB (Valor Acrescentado Bruto) no Algarve em resultado dos 500 Milhões de Euros de impacto directo e induzido na região. Já no que diz respeito ao emprego, são cerca de 17.000 postos de trabalho gerados e mantidos graças ao cluster do golfe, sendo que os campos de golfe empregam directamente cerca de 2.000 pessoas.

Por outro lado, a agricultura representa apenas 3% do VAB na região, que se situa na ordem dos 115 Milhões de Euros – inclui outros sectores, tal como a produção animal, caça, florestas e pesca – e registou um crescimento na ordem dos 50% entre 2012 e 2017.

Contas feitas, cada hm3 de água utilizado na agricultura gera cerca de 845.000 Euros e cada hm3 utilizado na rega dos campos de golfe gera quase de 33 Milhões Euros na região do Algarve.

Houve, nos últimos anos, um incentivo ao desenvolvimento de produções agrícolas através de fundos comunitários – 60% das explorações foram desenvolvidas com recurso a este mecanismo –. Os pomares de laranjas passaram de uma área de 6.000 ha em 2008 para 17.000 ha em 2017 e a produção de abacate passou de uma área de 256 ha em 2007 para cerca de 2.000 ha em 2020.

As soluções de combate à escassez hídrica existem e têm sucesso comprovado, tal como a dessalinização, que pode desempenhar um papel importante na produção agrícola em áreas onde o solo ainda é productivo. Espanha, uma vez mais, tem sido exemplar nesta matéria, apostando em extensas áreas de regadio e estufas na costa mediterrânica que satisfazem os seus consumos através de água produzida em centrais de dessalinização.

Essas centrais contribuem ainda para a manutenção de actividades e infraestruturas relacionadas com o turismo, assegurando o fornecimento de água com qualidade a populações onde a escassez de água é um facto. Existem exemplos concretos, tal como em Espanha, Chipre, Malta e até em Portugal, no Porto Santo, no arquipélago da Madeira, que produz cerca de 6.900 m3 de água potável / dia para um total de 5.000 habitantes.

Considerando a importância e sensibilidade da matéria – no limite diz respeito à sobrevivência do Ser Humano – importa ter um Estado devidamente sensibilizado e que dê início à revisão do quadro legal em vigor, bem como um plano de incentivos e de financiamento à implementação de esquemas de ART em zonas de escassez hídrica. Em paralelo, importa reforçar a mensagem de que a utilização de ART é segura.

A água escasseia e o tempo também, pelo que urge uma acção imediata e concertada, por forma a não hipotecarmos, também por esta via, as gerações futuras.