1 Sem um líder da oposição credível ou uma oposição minimamente eficiente, a um primeiro-ministro (quase) tudo é permitido. Até levar teses económicas ao reino da mais pura fantasia. Vem isto a propósito da última e extraordinária habilidade de António Costa: transformar a baixa taxa de desemprego (6,9% em junho) num milagre económico promovido pelas políticas do seu Governo.

Expliquemos. Na edição de 20 de agosto do Expresso, Costa afirmou: “Foi o sucesso da política económica que adotámos desde 2016 (…) que nos permite chegar hoje e dizer ‘afinal o desemprego está abaixo, estamos a exportar mais’.”

Os ministros Pedro Siza Vieira e Ana Mendes Godinho já tinham vendido a tese de que o baixo desemprego (o Governo chegou a prever uma taxa de desemprego de 10% para esta altura devido à crise pandémica) tinha origem na “vitalidade da economia”. Siza Vieira afirmou que “o setor dos serviços, o mais afetado pela pandemia, criou só por si mais 100 mil empregos — dos quais 25 mil nos setores do alojamento, restauração e similares”.

No dia seguinte à entrevista de António Costa, um trabalho do Diário de Notícias explicava, contudo, que não será bem assim com base nas contas do Instituto Nacional de Estatística (INE). A criação “impressionante” de emprego só terá sido possível devido ao Estado — e não às empresas. Ou seja, se não fossem os números recorde de contratação pública (aumentou 17% no segundo trimestre), em vez do emprego total aumentar cerca de 4,5%, o mesmo indicador teria caído 3%, segundo cálculos do DN.

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Isto sem falar do emprego artificial das empresas com créditos em moratória (o total é de 8 mil milhões de euros) que arriscam a fechar as portas após Setembro — data em que terminam as moratórias.

2A Síntese Estatística do Emprego Público do segundo trimestre, publicada a 16 de agosto, reforça os dados do INE interpretados pelo DN. O número de funcionários públicos (administração central e local) cifra-se em 731.258 pessoas — o maior número desde 2011, ano em que Sócrates chamou a troika, e apenas 200 funcionários a menos do que o recorde de 2005 de José Sócrates. São mais 25.774 funcionários públicos do que há um ano.

A crise pandémica explica os mais 7.060 empregos no Serviço Nacional de Saúde, mas não contextualiza totalmente os 8.407 funcionários para as escolas e os 4.399 postos de trabalho da administração local. Com a agravante de que apenas 58% dos quadros da administração central tiveram direito a contrato com termo. Já uma boa parte dos novos funcionários dos serviços municipais ou do sector empresarial local entraram mesmo para o quadro.

Resumindo e concluindo: os 731.258 funcionários públicos já representam 14,2% da população ativa e 15,2% da população empregada. Número que, entafize-se, vão aumentar ainda mais este ano e em 2022. Basta ler esta entrevista da ministra Alexandra Leitão ao Eco.

Pior: o peso da função pública na população ativa e empregada aumentará sempre porque, como o últimos Censos já atestou, Portugal já está a perder a população.

O que nos leva precisamente a uma pergunta básica: com a redução da população em curso (que vai agravar-se nos próximos anos) que sentido faz aumentar significativamente o quadro da função pública? Será que o Governo de António Costa quer que o país seja um país de funcionários públicos, logo inviável por definição?

3 O mais extraordinário, contudo, é que o PS (e o país que vota nos socialistas) parece não aprender nada. Desde que António Costa chegou a primeiro-ministro, foram contratados mais 72.182 funcionários públicos. A receita é sempre a mesma: aumenta-se o quadro da função pública à custa do crescimento económico pensando-se que a economia é uma coisa estática e não algo que funciona por ciclos — depois de uma fase de expansão, segue-se sempre uma fase de contração e de crise.

Com a agravante da hiper proteção que caracteriza as leis laborais que se aplicam à função pública. O Estado não pode despedir ninguém do quadro em caso de crise económica mas as empresas fecham as portas quando ocorre uma insolvência sem solução e os respetivos trabalhadores perdem o emprego.

Além do acréscimo orçamental por via do número de funcionários contratados, o Governo está ainda focado em aumentar os salários dos técnicos superiores, tal como António Costa prometeu na entrevista ao Expresso — uma promessa que fica sempre bem em ano de autárquicas e a dois anos das legislativas. Por outro lado, não esquecer que o aumento do salário mínimo para 750 euros até 2023 — um objetivo do Executivo — tem particular importância na Função Pública

Tudo somado: a discrepância salarial face ao setor privado vai continuar a aumentar, a despesa pública vai subir significativamente nos próximos anos e terá de ser financiada de alguma forma. Ou se promove mais receita fiscal por via do crescimento económico ou se desviam fundos do Programa de Recuperação Económica ou se aumentam os impostos.

É por tudo isto que não deixa de ser irónico que António Costa prometa igualmente descer o IRS para a classe média (cuja a maioria trabalha no setor privado) por via de um acordo com o PCP e o Bloco de Esquerda no Orçamento de Estado para 2022.

4 E irónico porque, como uma vez mais demonstrou na entrevista ao Expresso, o foco de António Costa está nos salários da função pública e no salário mínimo nacional. O primeiro-ministro nunca diz nada sobre o salário médio — a não ser, claro, quando se refere à carreira dos técnicos superiores da função pública.

Obviamente que uma função pública bem remunerada, nomeadamente nos seus escalões intermédios e superiores, é importante porque permite ter um Estado mais preparado. O grande problema é que o Governo não tem qualquer política pública que permita aumentar a competitividade e a produtividade da economia portuguesa e que permita captar investimento internacional qualificado que incremente as exportações. São precisamente esses indicadores que levam a um aumento do salário médio e, consequentemente, do rendimento disponível das famílias.

Criar condições económicas para que o salário médio subisse de forma sustentada e significativa — isso sim é que seria um verdadeiro milagre económico! Algo quase utópico para o atual do PS que parece olhar para o Estado como o único motor da economia — o que terá sempre como resultado inevitável um aceleramento da descida de Portugal para a cauda da União Europeia.