Eu sei que o turismo é um pilar da economia portuguesa e que se deve incentivar o “vá para fora cá dentro”, mas isto de querer que grávidas em trabalho de parto façam 120 km para visitar outro distrito talvez seja exagero.

Aliás, quero desde já enviar daqui o meu abraço solidário para os condutores das ambulâncias. Como pai, passei muitas vezes pela mesma situação. A conduzir, em stress, e alguém a chorar no banco de trás, a dizer que não aguenta mais. Está bem que, no meu caso, é uma criança a não conseguir suster xixi, mas calculo que uma grávida a não conseguir suster um bebé seja parecido. Eu costumo gritar: “Cruza as pernas e pensa noutra coisa!” Talvez os paramédicos devam experimentar essa estratégia. Outra sugestão é forrarem os bancos de trás com uma tela impermeável, só para garantir.

Qualquer dia, vai haver um parto na casa de banho de uma estação de serviço e ninguém vai estranhar. Parece que as pessoas mais depressa se escandalizam com nascimentos no privado do que na privada.

Neste momento, para a grávida saber se é hora de ir para o hospital, faz contas ao intervalo entre contracções, aos dedos de dilatação e aos quilómetros de distância da Urgência que está aberta.

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Um dos grandes medos das futuras mães é a gravidez ectópica, quando o óvulo fertilizado não chega a atingir o útero. Agora, além desse, há o medo da gravidez utópica, em que o óvulo atinge o útero, o útero é que, apesar das boas intenções, não chega a atingir uma maternidade.

Se dúvidas ainda houvesse, este caos vem confirmar que a saúde é um negócio. E dos bons! Nomeadamente, para as gasolineiras, a encherem os bolsos à conta dos depósitos que as ambulâncias têm de atestar quando jogam à roleta russa das urgências. (“Roleta russa das urgências: uma delas está aberta, qual será? Atreva-se a adivinhar!”). Só não é negócio para a Brisa porque nem todos os percursos são em autoestrada. Por exemplo, entre Portalegre e Évora, metade do caminho é percorrido numa ciclovia.

A boa notícia é que Portugal pode ter feito aqui um importante avanço no âmbito da Física. Antes havia a velocidade da luz e a velocidade do som. Agora também há a velocidade motivada pelo som de uma grávida a dar à luz.

Cheira-me que parte do plano de contingência anunciado pela Ministra da Saúde tem que ver com isto. O Governo prepara-se para disponibilizar os seus motoristas para fazerem o transporte de grávidas entre hospitais, à procura das Urgências abertas. Toda a gente sabe que gostam de acelerar. Outra parte do plano já está a ser aplicada, com o Ministro da Administração Interna a ameaçar o SEF, claramente para garantir que não se prejudicam as chegadas de cegonhas de Paris.

Ainda outra mudança a implementar, segundo sugestão da Ministra da Saúde, é a possibilidade de contratar médicos estrangeiros. Deve ser o Dr. Bayard, porque o problema de Marta Temido é que é só garganta. Para quem gosta tanto do hino da CGTP, despreza o trabalho de parto.

O Governo também pode ajudar a organizar as escalas das férias dos médicos. Traz consigo a experiência de três mandatos. Muitas vezes, parece que todos os ministros estão desaparecidos e, apesar disso, Portugal continua aberto. Finalmente, o plano de contingência prevê que as certidões de nascimento passem a ser emitidas pela Santa Casa, porque conseguir ter um filho em Portugal começa a ser tão raro como ganhar a lotaria.

Além do plano de contingência, vai ser nomeada uma comissão. Que, como é sabido, mais valia chamar-se comichão, já que os seus membros vão passar os dias a coçá-los. Mas, concedo, até pode ser que saiam dali boas ideias. É um caso a ver. Não deitemos fora o bebé com a água onde Temido lava as mãos.

Porém, seria injusto pôr o ónus apenas no Governo. A verdade é que as mulheres que desejam engravidar também devem ter o seu plano de contingência. Um hobby, por exemplo. Correr maratonas é igualmente cansativo e compensador. Ou arranjar um cão, que também precisa que lhe limpem o cocó. O enxoval, preparado ao longo de anos, é doá-lo à companhia de toureiros anões que tanto indignou o Ministro da Cultura. Adaptem-se.

Circulou há dias uma fotografia do Presidente da República a beijar a barriga de uma grávida. Os jornalistas foram logo avaliar se a foto seria verdadeira ou uma montagem. Compreende-se, pois parecia inverosímil. Não por haver dúvida sobre se Marcelo faria uma coisa dessas: tratando-se do homem que comenta jogos da selecção na flash interview, beijocar barrigas de estranhas é normalíssimo. Já é mais difícil acreditar na possibilidade de haver uma grávida em estado tão avançado que se deixe beijar nos Santos Populares pelo Comandante Supremo das Forças Armadas, em vez de andar em périplo pelo país à procura de uma maternidade aberta onde possa reservar já lugar.

As grávidas, como se sabe, têm por vezes comportamentos bizarros. Quem nunca ouviu falar de vontades estapafúrdias como a fome de gelado de borrego com topping de Halibut às 3 da manhã, ou o desejo de ser atendida nas Urgências da sua área de residência em tempo útil? Maluquices.

Na semana passada, António Costa veio dizer que este colapso das urgências de obstetrícia se devem a um problema estrutural. Houve gente que achou ser sinal de humildade. No fundo, seria o reconhecimento de falhanço por parte do Primeiro-Ministro, ao conceder que, apesar de governar há 7 anos, nada fez para reformar a estrutura do SNS. Evidentemente, é gente doida e só não digo que deve ser internada porque não há capacidade hospitalar para tal.

O problema estrutural a que Costa se refere é o da gravidez propriamente dita. Neste momento, encontra-se assim estruturada: a partir das 38 semanas, a criança nasce a qualquer momento, sem aviso prévio! Depois da geração mais bem preparada, temos a geração que apanha toda a gente despreparada. É, convenhamos, uma estrutura decadente e já não faz sentido num país moderno como Portugal. O nosso PM quer mudar isso. Depois de reformada, a gravidez passará a poder durar mais. Se, ainda há duas semanas, Costa decretou um aumento de 20% no salário médio, conseguirá perfeitamente aumentar o tempo de gestação por decisão administrativa. Um período longo e flexível, para que os hospitais se consigam organizar. Mal lhe rebentam as águas, a grávida liga para o Ministério da Saúde e inscreve-se na lista de espera como qualquer doente do SNS. Quando for conveniente para os Serviços Centrais, é convocada e faz-se o parto. Com sorte, as crianças nascem logo com 3 ou 4 anos e assim resolve-se também o problema da falta de creches, que deixam de ser necessárias.

(Como é evidente, há que acautelar os abusos das chica-espertas que se aproveitam do sistema. Como as cirurgias oncológicas têm tempos de espera mais reduzidos, pode haver grávidas a fingirem que têm cancro no estômago, só para passarem à frente).

Na semana passada escrevi aqui sobre as obscenidades do Secretário de Estado João Galamba em trocas de mensagens, por isso posso estar sugestionado. Mas, com esta confusão todo à volta de nascimentos, parece-me que no WhatsApp do Governo devem estar a mandar o povo português permanecer na cona da sua mãe.

PS – Talvez esteja a ser injusto e, no fundo, padecer de cepticismo, a doença nacional que António Costa perspicazmente identificou. Se for o caso, estou tramado. Com o SNS como está, temo que só me arranjem consulta lá para 2026.