A inevitabilidade que começou a desenhar-se logo após as eleições cumpriu-se e António Costa já é primeiro-ministro. Chegou lá pelos becos e atalhos que se conhecem, garantindo ao país que a nobreza e urgência dos fins justificavam todos os meios. Os fins eram afastar do poder a direita – objectivo cumprido no exacto momento da tomada de posse – para aplicar a sua alternativa e resgatar o país da “política de empobrecimento” – que são os capítulos que se seguem.

Tamanho sobressalto, dramatizado e radicalizado qb, colocou as expectativas lá em cima. Os portugueses não esperam menos do que uma rápida recuperação dos seus salários e pensões, a descida dos impostos, a queda do desemprego, um crescimento económico mais rápido, mais investimento e regras laborais mais rígidas na manutenção dos postos de trabalho. Aguarda-se também que chegue mais dinheiro à Saúde, Educação, Ciência e Investigação e Cultura. Tudo isto cumprindo as regras orçamentais acordadas com Bruxelas, baixando o défice e a dívida, e mantendo os mercados abertos para o financiamento do país a taxas de juro suportáveis.

Esta é a parte das contas que não pode falhar. Só por si, compatibilizar estes objectivos já é tarefa hercúlea. Sê-lo-ia sempre para um governo de maioria absoluta, coeso e com apoio parlamentar inequívoco.

A isto junte-se então a permanente negociação que terá de ocorrer com o Bloco de Esquerda e do PCP, medida a medida, número a número, linha a linha e o grau de permanente incerteza e instabilidade que esse processo provoca.

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Já dávamos como certo que os três partidos tinham um acordo sobre a eliminação da sobretaxa de IRS e a reposição dos cortes salariais na função pública. Isso permitiria pensar na aprovação do Orçamento do Estado para 2016 como sendo um assunto encerrado e preso apenas por detalhes. Afinal, pode estar é preso por arames. As certezas de ontem são as incertezas de hoje e à esquerda não há ainda entendimento sobre essas questões (https://observador.pt/2015/11/26/pcp-be-admitem-divergencias-ps-na-sobretaxa-cortes-salariais/).

É um exemplo entre os inúmeros que irão suceder-se. Uns vão ser do conhecimento público, outros ficarão no recato dos gabinetes. Nada de novo, é assim mesmo a política, hoje como ontem. Não, tudo de novo porque este é um governo que terá que garantir a sua sobrevivência numa base diária com as negociações à esquerda.

Como se fazem planos estratégicos para o futuro, como se desenvolve uma ambiciosa “agenda para década”, como se reforma e se inquietam corporações e interesses instalados se não sabemos se chegamos ao Natal? Ou à Páscoa seguinte? Ou ao Verão que se segue?

Rapidamente António Costa chegará à encruzilhada fatal: salvar o seu governo ou salvar o nosso país? O que fará nesse dia? Cede ao PCP e BE para salvar a pele de primeiro-ministro, hipotecando mais um pedaço de futuro? Ou saberá dizer “não”?

“Não” é a palavra mais útil para um governante em cenário de crise e nestas circunstâncias reforça o seu valor.

Pela forma como chegou ao poder António Costa não tem margem para falhar.

Se quer ser coerente com o discurso do último ano e com o assalto ao poder que fez nas últimas semanas tem que acabar a austeridade. E tem que fazê-lo depressa, porque essa é a mudança política que prometeu e que vendeu como causa de vida ou morte para o país.

Se quer ser coerente com a matriz institucional que acabou por defender, tem que cumprir as regras orçamentais e manter a confiança que mantém os mercados a financiar o país.

Qualquer coisa que seja menos do que isto, que não dê mais dinheiro e mais empregos às pessoas sem atirar de novo o país para o charco, saberá a pouco e ninguém entenderá a barulheira das últimas semanas. O PCP e o BE serão, a este nível, os maiores vigilantes da entrada e permanência naquilo que consideram a sua “linha justa”.

Como Francisco Louçã escreveu há dias no Público, “o risco maior do PS é ser algum dia visto como criador de uma política similar à que laboriosamente deslocou. ‘Tanta coisa para nada’ é a única frase que o PS não se pode submeter a ter que ouvir”.

É precisamente isso. António Costa não ganhou as eleições mas achou-se fundamental para dar um futuro ao país. E voluntariou-se, dizendo que ele é que é o governante certo, com a política necessária, na hora exacta. Dele não se espera menos do que sair, daqui a muitos anos, pela porta grande por onde não entrou. O país está à espera e saberá agradecer.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com