“Sinto-me revoltado,” declara Alberto. “Arrasei,” observa Alarico. Estão ambos a falar de si próprios. No primeiro caso não é declarada a razão da revolta. No segundo, também não é descrito o objecto do arrasamento. Nenhum relato dos jornais esclarece estes pontos. As testemunhas limitam-se a reproduzir as maneiras de falar de Alberto e Alarico: “Alberto estava revoltado,” registam; “Alarico arrasou.”
Os seus antepassados tinham preferido locuções como “Sinto-me muito revoltado com o, ou contra o, ou por causa do, Antigo Regime;” ou, no mesmo espírito, “Arrasei ontem uma marquise (e opcionalmente: ‘por causa do Antigo Regime’.”) A expressão mais tradicional das emoções inclui a capacidade de falar de causas, razões ou objectos. No entender dos antepassados, ou pelo menos na sua gramática, a ‘revoltar’ segue-se geralmente uma locução preposicional; e quando alguém se revolta revoltar-se-á contra alguém, ou por algum motivo. Analogamente, quem para eles arrasasse arrasaria pelo menos alguma coisa; e ao falar do assunto seria suscitado um complemento directo.
Em ocasiões mais recentes revolta e arrasamento parecem ter-se tornado sentimentos permanentes e processos intransitivos. Tratar-se-á de uma nova fase da evolução da espécie, semelhante à capacidade de digerir leite após a lactação? Os cientistas têm-se interrogado sobre a relação que existe entre estas duas actividades, e sobre as afinidades que se registam entre os seus praticantes. Mas mesmo os não-cientistas observam que quem está revoltado tende a andar por perto de quem arrasa; a dizer as mesmas coisas, a preocupar-se com os mesmos assuntos, a dormir com as mesmas pessoas, e a ser por vezes a mesma pessoa.
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