A organização do poder político está regulamentada na terceira parte da Constituição da República Portuguesa (CRP), onde, para além dos respectivos princípios gerais, são referidos em títulos específicos, o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo, os Tribunais, o Tribunal Constitucional, as Regiões Autónomas, o Poder Local, a Administração Pública e a Defesa Nacional.

Esta ordem não acontece por acaso, resultando do sistema de governo escolhido para Portugal (semi-presidencialismo), segundo o qual o Presidente da República é o Chefe de Estado e a mais alta figura da organização política portuguesa. Segundo o Art.º 120.º da CRP, o “Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas”.

Vejamos em que ponto está o regular funcionamento das instituições democráticas.

O Governo é um navio à deriva. Nem vale a pena referir a quantidade de remodelações num governo com maioria. O Primeiro-ministro, apesar de saber que os restantes membros do Governo são seus subalternos, já assumiu que só tem de gerir o seu gabinete. Não se importa com a falta de comunicação entre ministros (mais preocupados com o posicionamento numa putativa sucessão do que em governar) que só tem exposto o nível e a dimensão da desgovernação actual. O caso do parecer sobre o despedimento da administração da TAP – cuja existência foi asseverada por duas ministras, desmentido pelo ministro das finanças e que agora é uma questão de semântica – é apenas a ponta do iceberg.

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Que dizer sobre a reunião à porta fechada entre o grupo parlamentar socialista e a ex-CEO da TAP, quando esta seria ouvida no dia seguinte em Comissão Parlamentar de Inquérito? Ainda por cima combinada com o Governo? Que se lixe o artigo 114º da CRP. E se não houve qualquer problema, qual a razão para o afastamento do deputado Carlos Pereira? E não é estranho que o PS tenha recorrido às leis do Estado Novo para isentar de responsabilidades Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes?

Mas isto nem é o pior. Muito mais danoso para o regular funcionamento das instituições democráticas é o atraso de um ano e meio do Governo na publicação da portaria que regulamenta a distribuição de processos nos tribunais. É exagero considerar que o principal beneficiado foi o ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates? Afinal, já não vai ser julgado pelos crimes de falsificação. Sim, eu sei que José Sócrates não se importa de estar proscrito. O que lhe interessa é ser prescrito. Mas não me venham dizer que o PS não tirará dividendos e que o regular funcionamento das instituições democráticas requer que o poder executivo condicione o funcionamento do poder judicial durante um ano e meio.

Por fim, umas palavras sobre a postura de Augusto Santos Silva. A parcialidade do Presidente da Assembleia da República parece-me evidente. Para além de favorecer o partido socialista, os comentários que faz sobre os partidos da oposição são despropositados, extravasando os limites da ironia e do sarcasmo. Aqui não há novidade. Augusto Santos Silva foi despedido da TVI24 por ter sido malcriado. A resposta que deu foi dentro do registo que o caracteriza: ayatollah de Barcarena. Lembram-se, entre outras,  da “broa do Costa”, e da “feira do gado”? Diz-se que Augusto Santos Silva é arrogante, egocêntrico e narcisista. Eu tendo a concordar. Apesar de ser “um tipo gelado”, o Presidente da Assembleia da República acabou de negar ter dito o que disse. E está de tal maneira seguro do que disse que o vídeo em questão foi apagado da página da ARTV. Ora, considerando os comentários que agora são públicos, posso imaginar o que tenha sido dito em privado sobre outros assuntos. E aqui, Senhor Presidente, não posso deixar de também reprovar a sua descrição dos acontecimentos.

Tendo em conta a sua longa vivência na vida política portuguesa, é-me difícil crer que o Presidente da República não tenha noção dos efeitos que a governação da maioria socialista está a ter no país. Daí que questione a sua lógica. E que o faça veementemente.

Seria de esperar que com uma maioria, as tibiezas governativas socialistas diminuíssem. Verifica-se o contrário, com a incapacidade de António Costa em controlar o seu governo. Os custos da instabilidade que está a ser provocada por um Governo que tem maioria absoluta – o que por si só é estranho, até porque a mesma resulta de questões partidárias endógenas – serão sempre superiores aos custos da legitimação popular.

Senhor Presidente, a mentira, a sonegação de informação à oposição e à imprensa, a desresponsabilização dos decisores públicos, a interferência do Governo na justiça permite o regular funcionamento das instituições democráticas?

Infelizmente, parece-me que o Presidente da República é o garante do IRREGULAR funcionamento das instituições democráticas.

Post-Scriptum: Que fez António Costa quando Jorge Sampaio pôs em causa os mandatos conferidos pelo povo? Terá celebrado pouco ou muito?