“O trabalho poupa-nos de três grandes males: do tédio, do vício e da necessidade” — palavras de Voltaire, não minhas. Nenhuma sociedade ou economia pode sobreviver a uma política de confinamento persistente e de longo prazo. Sabemo-lo. Também sabemos que, se o confinamento for interrompido demasiado cedo e se não se puserem outras medidas em vigor, o vírus mostrará o seu lado negro de novo.

As políticas de saúde da Covid-19 tinham todas um mesmo objetivo: o de salvar vidas, o que, na prática, significa evitar o colapso dos sistemas de saúde. Nenhum sistema de saúde, privado ou público, por mais bem preparado que estivesse, teria conseguido enfrentar com sucesso este inimigo invisível. Era necessário ganhar tempo para salvar vidas. Se todos ficassem doentes ao mesmo tempo, os sistemas de saúde entrariam em colapso e os profissionais de saúde na linha da frente seriam forçados a tomar a desagradável decisão de escolher entre quem deve viver e quem deve morrer.

A estratégia da maioria dos governos tem sido a de desacelerar a transmissão do vírus e a de achatar a curva pandémica. Não terem feito nada e terem simplesmente aguardado pela imunidade de grupo teria provocado um grande número de vidas perdidas. In extremis, poderia até ter conduzido a um colapso da ordem social, à medida que o medo se fosse transformando em pânico e histeria.

As estratégias globais de confinamento servem-nos apenas para ganhar tempo. Por si só, não nos oferecem a possibilidade de cura nem constituem uma proteção infalível contra um possível ressurgimento. Isto só será viável de uma de duas maneiras: ou   depois de metade da população mundial se ter tornado imune ou quando a população tiver sido inoculada com uma vacina, o que constitui uma perspetiva nada animadora. Na melhor das hipóteses, julga-se que não haverá uma vacina disponível antes de 12 a 18 meses, após o que ainda teremos de aguardar o tempo necessário para que seja produzida em massa.

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À data em que escrevo este artigo, Sarah Gilbert, da Universidade de Oxford, acaba de anunciar que tem uma grande convicção de que a sua equipa irá conseguir desenvolver uma vacina até setembro. Deus a ajude a ela e aos outros 115 candidatos em todo o mundo que se encontram a trabalhar para criar uma vacina. Mas, quando muito, a promessa é de virmos a ter uma inoculação experimental da vacina do Covid-19 para grupos de alto risco. Mas se pretendemos dizer uma campanha de inoculação em massa, que venha a permitir-nos continuarmos todos com as nossas vidas, então o prazo de 12 a 18 meses ainda parece ser o mais promissor.

Não há governo que se possa dar ao luxo de manter uma política de confinamento geral até lá. Os custos para a economia, para a saúde e para o bem-estar emocional das pessoas será incomensurável. Um artigo do New York Times referiu-se à situação como uma medição de forças contra três adversários: há que, ao mesmo tempo, combater a doença, proteger a economia e manter a sociedade equilibrada. Como é óbvio, haverá variantes de acordo com o país, dependendo dos meios que possua, da sua economia e da vontade coletiva do seu povo.

Alguns governos estão a começar a sentir a necessidade de afrouxar algumas das medidas tomadas. Outros como, a Áustria e a Dinamarca, estão já a caminho. Há que ter cuidado para não achatar demasiado a curva. A sociedade precisa de desenvolver algum nível de imunidade. Quando o isolamento é realmente efetivo, são inevitavelmente poucas as pessoas que são infetadas, logo, pouca imunidade de grupo é desenvolvida. Daí que, assim que sejam removidas as restrições, a sociedade continue a estar extremamente vulnerável. Neste caso, Portugal, por exemplo, que obteve um grande sucesso em achatar a curva pandémica, ainda pode vir ser vítima do seu próprio sucesso. Esperemos que não.

Dito isto, quando e como terminaremos este confinamento geral indiscriminado? De acordo com a curva epidemiológica, as restrições deveriam, em teoria, ser levantadas quando o número de novos casos começasse a diminuir, ou melhor, quando o ritmo de progressão de contágio (Ro) fosse igual ou menor do que 1. Quanto mais próximo o Ro estiver de zero, tanto mais rapidamente o vírus chegará a zero.

O problema neste momento é que estamos a fazer projeções políticas baseadas em informação muitíssimo incompleta. As incógnitas superam em muito o que realmente sabemos. Em primeiro lugar, não sabemos se uma pessoa que tenha sido infetada e se encontre já recuperada está de facto imune ao vírus e por quanto tempo. Se não houver imunidade ou se a imunidade tiver um período curto de duração, o argumento da imunidade de grupo cai por terra.

Também não sabemos quantas pessoas estão imunes. As evidências sugerem que muito mais pessoas estão infetadas, ou foram infetadas e estão recuperadas, do que os dados atuais sugerem. Um artigo publicado na revista Science estimou que 86% de todas as infeções na China, anteriores a 23 de janeiro de 2020, não foram documentadas. A boa notícia é que, assim sendo, há muito mais imunidade no sistema do que a que somos levados a acreditar.

No futuro próximo, governos e cidadãos deverão preparar-se para vários ciclos de uma política de “suprimir e suspender”, ou seja, para ciclos de aplicação de medidas restritivas e seu posterior levantamento, restrições a serem aplicadas novamente e novamente levantadas, de forma a manter a pandemia dentro de custos económico e social suportáveis.

A única maneira de vir a fazer isto é através da obtenção de melhor informação, e melhor informação requer melhores dados. As decisões não podem ser tomadas a partir duma contagem diária de casos, porque estes dados não são confiáveis: não transmitem o verdadeiro estado de propagação do vírus. Existem bastante mais infetados do que os números sugerem.

Muitos países, inclusivamente o nosso, ainda sofrem de escassez de kits de teste e a maioria das pessoas nunca chega a ser testada. Parte dos quais poderão, aliás, vir a dar resultados de “falso positivo”. Apenas uma combinação de testagem regular, rastreio de contactos e monitorização dos infetados poderá vir a dar-nos alguma garantia de que as medidas de levantamento do distanciamento social estarão a ser feitas dentro do ritmo, tempo e local corretos. Sem que isso seja feito, quaisquer decisões tomadas por governos e autoridades de saúde estarão a ser tomadas às escuras.

Paralelamente, é imprescindível realizar testes sorológicos para encontrar o número real de pessoas imunes. Ainda é cedo para responder à questão de quanto tempo durará a imunidade, mas, se nunca iniciarmos esse processo, nunca descobriremos.

Lavar as mãos regularmente, não tocar no rosto, manter o distanciamento de contacto recomendável, usar máscaras em locais públicos, mudar de roupa ao chegar a casa, não sair de casa se evidenciar algum dos sintomas da covid-19, flexibilizar o horário de trabalho para evitar aglomerações em horas de ponta nos transportes públicos, isolar todos os que forem considerados de maior risco, é certo que tudo isto ajudará, mas não será suficiente para evitar ressurgimentos.

O investimento em kits de teste e a realização de mais testes sorológicos constituirão medidas muito mais sólidas em que basear e fundamentar decisões de política de saúde. O tempo não utilizado na realização de testes em massa e na medição do real nível de imunidade é tempo precioso perdido. Só desta forma teremos a informação necessária para intervir no domínio das políticas públicas. Só então poderão os governos criar compromissos com base em evidências sólidas e manter a pandemia dentro de níveis razoáveis.

Todos os governos, o nosso também, têm o dever de pensar no dia de amanhã e no dia depois de amanhã. É fundamental investir em testes, no rastreio e em sorologia. Não podem dormir à sombra dos louros do que alcançaram até agora. Fazer mais do mesmo é claramente a estratégia errada. Avizinham-se decisões difíceis. Não se trata meramente de reagir às mudanças, há que ser capaz de as antecipar.

Lockdown Can’t Last Forever

All governments, ours included, have the duty to think about tomorrow and the day after tomorrow. Doing more of the same is clearly the wrong strategy. Difficult decisions lie ahead. We also need to be able to anticipate changes, not merely react to them.

“Work saves a man from three great vices: boredom, vice and need” – Voltaire’s words not mine. No society or economy can survive a persistent and long-term lockdown policy. That we know. We also know that if lockdown is lifted to early and no other measures are in place, the virus will stir its ugly head again.

Covid-19 health policies have all had one objective: to save lives, which means averting the collapse of the health care system. No health care system, private or public, no matter how robust was prepared to take on this invisible enemy. Time had to be bought in order to save lives. If everyone got sick at once, all health systems would collapse and first-line responders would have been forced to make the very unsavoury choice of who gets to live and who gets to die.

The strategy of most governments has been to slow down the transmission of the virus and flatten the pandemic curve.  To have done nothing and wait for herd immunity to quick in would have been far to costly in terms of lives lost. In extremis, it could even have led to a breakdown in social order as fear turned to panic and hysteria.

General lockdown strategies are only valuable to buy time. They in and of themselves do not provide a cure nor a failsafe protection against a resurgence. That can happen in only of two ways: only after half the world’s population has become immune or have been inoculated with a vaccine. A depressing thought. Assuming all goes well, a vaccine is said to be 12 to 18 months away, and then it will take time to be mass produced.

Sarah Gilbert at the University of Oxford announced at the time of writing that she is highly confident that her team will develop a vaccine until September. God speed to her and the other 115 candidates worldwide working on a vaccine. But at the very best we may have an experimental Covid-19 inoculation for high-risk groups. If by “vaccine” we mean a mass inoculation campaign, allowing us all to get on with our lives, then 12 to 18 months still looks like the most promising date.

No government can afford to keep general lockdown until then. The cost to the economy, and people’s health and emotional well-being will be immeasurable. A New York Times article referred to this as a “three-way tug of war” between combating the disease, protecting the economy and keeping society balanced. This will vary by country, depending on its means, its economy and its people’s collective will.

Some governments are beginning to find the need to relax of some of these measures Others like Austria and Denmark are well on their way. One should be careful of flattening the curve too much. Society needs to build up some level of immunity. When lockdown is effective, not many people get infected in the first place, so little herd immunity is built up. Once you remove constraints, society will still be extremely vulnerable. In this case, Portugal that has been extremely successful at flattening the curve may yet become a victim to its own success. Let’s hope not.

Having said that, when and how do we end general indiscriminate lock down? According to the bell-shaped pandemic curve, restrictions should, in theory, be lifted when the replication number Ro (the average number of people that a contagious person infects) is equal to or less than 1. The closer Ro is to zero, the quicker the virus will tend to zero.

The problem is that at the moment we are designing policies based on highly incomplete information. The unknowns far outweigh what we actually know. For starters, we don’t know if a person who was infected and recovered is immune to the virus and for how long. If there is no immunity or if immunity is short lived, the herd immunity argument falls apart.

We also don’t know how many people are immune. Evidence suggests that far more people are infected or were infected and recovered then the data at present suggests. A paper published in the Science periodical estimated that 86% of all infections were undocumented in China prior to 23 January 2020. The good news is that there is far more immunity in the system then what we are led to believe.

One should be careful of flattening the curve too much. Society needs to build up some level of immunity. When lockdown is effective, not many people get infected in the first place, so little herd immunity is built up. Once you remove constraints, society will still be extremely vulnerable. In this case, Portugal that has been extremely successful at flattening the curve may yet become a victim to its own success. Let’s hope not.

For the foreseeable future, governments and citizens must prepare for several cycles of a “suppress and lift” policy, namely cycles where restrictions are applied an relaxed, applied again and relaxed again, in a way that keeps the pandemic at an acceptable economic and social cost.

The only way to do this is to have better information and better information requires better data. Policy cannot be determined on a daily count of cases, because those are unreliable. They do not convey the true state of the virus’s spread. There are many more infected then the figures suggest.

Many countries, including our own, still suffer from shortages of test kits, and most people don’t ever get tested. Part of those who do may give “false positives” Only a combination of regular testing, contact tracing and monitoring the infected can give us any assurance that relaxing social distancing are being done at the correct speed, time and place. Without this, governments and health authorities are taking decisions in the dark.

Alongside this, it is imperative to conduct serology, or blood work, to find out just how much of our population is immune. It is still early days to answer the question of how long immunity lasts, but if we never get this process going, we will never find out.

Hand washing, not touching your face, keeping a respectable distance between yourself and others, wearing masks in public places, changing clothes when you get home, not going out if you show any of the covid-19 symptoms, making work hours flexible to avoid rush hour agglomerates on public transport, isolating those at high risk, all these will help, but they will not be sufficient to avoid future waves.

Investing in test kits and conducting serology testing provides sounder measures to ground policy. Time not used on mass testing and immunity measurement is precious time lost. Only then will we have the information to inform public policy. Only then can government’s make the trade-off grounded on sound evidence and keep the pandemic at a reasonable level.

All governments, ours included, have the duty to think about tomorrow and the day after tomorrow. We need to invest in testing, tracking and serology. They cannot just baste in the glory of what has been achieved to date. Doing more of the same is clearly the wrong strategy. Difficult decisions lie ahead. We also need to be able to anticipate changes, not merely react to them.