Na negociação para o Orçamento do Estado em vigor, Fernando Medina fazia notar que baixar o IVA dos produtos essenciais não resultaria necessariamente na redução do preço a favor do consumidor.

A medida não traria a certeza que, por parte do retalho, o valor da redução do imposto não fosse directo para a tesouraria das empresas, como aconteceu em 2016 na área da restauração, quando o IVA desceu para os actuais 13%.

De facto, a redução da taxa deste imposto beneficia directamente as empresas, funcionando como um autêntico benefício fiscal. Em 2016, a medida fiscal de António Costa em reduzir o IVA tinha o target político definido: os empresários da restauração.

Embora desconfiando dos resultados benéficos em reduzir agora a taxa de IVA dos produtos alimentares, António Costa está prestes a fazer mais um brilharete político.

Se a medida seguir em frente, já há por parte de uma grande empresa de retalho a garantia de que o IVA terá impacto no preço dos produtos. O governo, parece que só aceitará mexer nas taxas de IVA nestas condições: com a garantia por parte das empresas de que a redução do imposto tem de facto repercussão no cabaz de compras.

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Isto significa que António Costa transfere a responsabilidade da materialização da medida e da sua verdadeira consequência, que se desejaria positiva, para terceiros.

Se tudo correr bem, então o governo sairá vitorioso porque conseguiu o que a vizinha Espanha foi incapaz, mas se correr mal então António Costa mandará as culpas para os outros. Este é o truque de Costa: contas feitas, a coisa dá sempre certa e o governo ficará sempre bem na fotografia.

Em política fiscal, depender da vontade de terceiros e do seu compromisso para que ela resulte não é fazer política.

Podem existir factores imprevisíveis que, em determinado momento, poderão influenciar o não impacto directo na redução do preço, embora a intenção seja de facto essa, e, por essa razão, para garantir isso mesmo é porque haverá margem suficiente (por tudo aquilo que já se ganhou) para que agora se possa com clareza dizer ‘sim vamos baixar os preços porque há menor carga fiscal’, quando todos os portugueses sabem que não houve qualquer alteração de preço em produtos taxados em 2022 a 23% e que agora o são a 6%.

Costa aproveita a confusão e a guerra do IVA, querendo agradar a todos: às empresas, que lamentavelmente aceitam de forma descarada a ideia do governo com compromisso de que farão baixar os preços por via do imposto, e às famílias, que julgam que vão ganhar com tudo isto.

Porém há novidades no preço de um cabaz básico de 63 produtos alimentares, calculado pela DECO/Proteste,que registou esta semana uma descida de 3,7%, a maior do último ano. Custa agora €226,15, menos €8,70 do que na semana passada. De salientar que não se mexeu nas taxas de IVA.

A manter-se a ideia da necessidade de reduzir a taxa do imposto, então há desde logo uma obrigação por parte do sector que reclama ferozmente a medida: o preço de um cabaz básico tem de baixar muito, mas muito mais. Sem alterações no IVA há hoje um custo menor de uma cabaz básico de 63 produtos alimentares, então com a redução da taxa, tão desejada por muitos, a acontecer, há uma obrigação quase que implícita: há que baixar muito mais.

É este o grande compromisso das empresas: os preços só poderão descer pela via fiscal mas o que acontece, é que sem mexer nos impostos já estão a descer.

Com uma possível descida das taxas de IVA ficarão todas as empresas com um enorme ónus perante os portugueses, caso o resultado final seja quase nulo ou o impacto económico nas famílias não seja o expectável.

Se tudo isto correr muito mal e se alguém quiser saber o porquê, Costa ficará assim com toda a legitimidade para poder dizer: “ide lá perguntar aos outros, eu cá fiz tudo bem”.