Em pouco mais de 15 dias, os britânicos, com eleições legislativas antecipadas no próximo dia 8 de Junho, apercebem-se de três coisas que provavelmente desconheciam sobre o futuro do seu país no pós-brexit. E não estou certo que estejam contentes.

Primeiro, tomaram consciência que a promessa de investir o dinheiro poupado com a saída da União no sistema social britânico não vale o papel em que foi feita (inúmeras vezes). A chamada “dementia tax” (veja-se aqui a explicação do Business Insider), já abandonada face à polémica que desencadeou, prova que o objectivo dos conservadores não é necessariamente aumentar a segurança dos consumidores, ou pelo menos dos pensionistas, pelo contrário. Os 10 mil milhões de libras poupadas anualmente (numa despesa total de 772 mil milhões do governo britânico por ano) servirão provavelmente para cobrir os inúmeros prejuízos que o brexit causará na economia do país – e não para reforçar a segurança social britânica.

Mas brexit é brexit, mesmo que o prometido já não seja devido.

A segunda constatação desagradável para os britânicos nestes últimos dias respeita ao seu aliado preferencial, o país que deveria compensar as perdas provocadas por um eventual “hard brexit” (ou por um mais suave, que ainda assim será sempre um jogo de soma negativa para o Reino Unido), segundo pretendem os “brexiteers”. Começou com a difusão pela imprensa americana de informações sobre o atentado de Manchester que a polícia britânica queria manter secretas e que deixou May furiosa. Continuou com o desempenho do presidente norte-americano que, entre “gaffes”, afirmações infelizes, atitudes machistas, ralhetes aos líderes da União Europeia, da Nato e do G7, demonstrou que se vê a si mesmo como alguém a quem tudo e todos devem obediência e a quem deve ser prestada vassalagem.

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Poderá um futuro acordo comercial com os EUA substituir a União Europeia como o grande parceiro do Reino Unido? E com vantagem? Já sabemos que a União é de longe o maior mercado dos britânicos: quase metade das exportações britânicas para lá vão, o dobro das destinadas aos EUA. Sabemos também que um futuro acordo entre o Reino Unido e a UE, com ou sem “hard brexit”, não poderá manter as condições de acesso britânico ao mercado interno, que serão necessariamente menos vantajosas. E os americanos terão interesse em “substituir” a Europa (continental) pelo seu antigo colonizador? É mais do que apenas improvável: a Europa é de longe o mais importante mercado comercial do mundo para os americanos, base crucial para as suas empresas no estrangeiro, mesmo sem o Reino Unido. Em 2016, o investimento norte-americano neste país foi de 22% do total do investimento na Europa (78% para o resto do continente). Um acordo com os britânicos será sempre secundário face à importância do mercado do velho continente… continental.

Como lidará May com o pragmatismo (económico) dos norte-americanos? É que brexit é brexit…

Mas talvez a maior epifania dos britânicos tenha sido consequência do horrendo atentado terrorista de Manchester: o bombista suicida, cujos pais são líbios, nasceu em Manchester; era britânico de nacionalidade; estava referenciado como alguém radicalizado; viajou para a Líbia, esteva lá algum tempo, voltou para Manchester. Matou e morreu.

Na campanha a favor do “Leave”, um dos argumentos maiores respeitou justamente ao terrorismo e à necessidade das autoridades britânicas assumirem esse combate sem tutelas (sem se sujeitarem a normas comuns europeias); aos refugiados, cavalos de Troia do jihadismo; aos imigrantes, sobretudo os muçulmanos, que além de roubarem os empregos aos bons britânicos, também alimentam a ameaça, porque reforçam o “inimigo interior”. Ora sobre o emprego e os imigrantes lembro que o Reino Unido teve no final de Março uma taxa de desemprego de 4,6%, o nível mais baixo desde 1975, e isto apesar de ainda fazer parte da União e dos imigrantes que “roubam empregos” – quais empregos?

Ora o terrorista de Manchester não era imigrante; não era refugiado; estava referenciado pela política britânica e a sua vigilância e/ou detenção não dependia de nenhuma norma europeia; saiu e voltou a entrar, com a sua mortífera carga ideológica, pela fronteira britânica, que não está integrada na zona Schengen. Quem é então o culpado, se a culpa não é da Europa?

Saberá May que uma saída nos termos que ameaça concretizar é a pior ameaça possível para o seu próprio país? May sabe que as mais recentes sondagens deste terrível mês de Maio lançam uma sombra sobre o mês de Junho que pretendia glorioso. Em Junho, sabe May, os britânicos vão decidir também com a amargura nova que lhes inspira as coisas que desconheciam sobre o brexit. E a esmagadora maioria de deputados que May quer conseguir, razão pela que decidiu convocar estas eleições, talvez, mas só talvez, não venha a acontecer.

Talvez, mas só maybe, talvez o que May quer não possa ser…

“No man is an Island. No country for Itself”, escreveu o poeta seiscentista ingles John Donne.

Numa ilha de Homens, um país enfrenta sozinho consigo próprio um futuro difícil. Maybe.