As causas para a estagnação económica portuguesa estão dissecadas há anos. Desde 1995 que Portugal deixou de convergir com a União Europeia. Ou seja, a explicação não reside euro, mas no que levou a que o país falhasse o desafio da moeda única: a escassez de capital para investir e pagar salários tornou improdutivo o trabalho, por muito boas e aplicadas que as pessoas sejam no seus empregos. A isto soma-se um sistema judicial ineficaz, barreiras ao funcionamento dos mercados, às regras da livre concorrência, dificuldades crescentes no acesso às profissões, um conjunto de obstáculos que incentivam a má gestão, desincentivam o investimento e levam as pessoas a manterem-se num emprego para a vida, até mesmo no sector privado. As razões para o fenómeno vão da insegurança dos que têm pouco ao medo dos que singraram na vida perderem o pouco que ganharam. Sem que se desse conta, desde meados da década de 90, o país atrofiou-se numa lógica sem lógica que nos prejudica enquanto conjunto.

O resultado é uma economia estagnada que não cria riqueza. Somam-se governos sociallstas que iludem o eleitorado com truques a que dão o nome de ‘investimentos públicos’ e apoiam empresas a que chamam ‘campeãs nacionais’. Perante a inércia é preciso contribuir para a esperança irrealizável que o sucesso de alguns se traduz na vitória de todos. Infelizmente, a maioria das pessoas não come, não paga os transportes nem compra um automóvel ou vai de férias, sequer paga a escola dos filhos ou faz uma viagem com o sucesso daqueles que têm acesso ao poder político, mas com o ordenado que recebe e cuja média é das mais baixas da União Europeia. Para contrariar o sentimento de injustiça os governos socialistas garantem o tal emprego para a vida no funcionalismo público e aproximam o salário médio do mínimo.

A estagnação económica tem consequências. Conduz a uma paralisação política porque deixa de haver discernimento e desaparece a exigência. O resultado é o PS ter sido governo em 20 dos últimos 27 anos. Mas também leva a uma inércia social com o tão falado elevador avariado, uma sociedade onde a maioria sabe que os seus filhos terão de emigrar se quiserem viver melhor. Ficar em Portugal é aceitar a imobilização generalizada e conformar-se com uma vida que terminará tal como começou. Ora, a rotina, o constante caminhar por um caminho já trilhado destrói qualquer um.

A estagnação ética é o último passo. Aceita que governantes que perderam eleições não se afastem do poder, mas que mudem de funções; não se importa que se gastem milhares de milhões de euros numa empresa de aviação que se quer nacionalizar, para um ano depois se concluir ser melhor privatizar; não obsta a que no passado se ofenda quem defendeu contas públicas equilibradas, para agora se ofender quem diz que as contas públicas equilibradas são um caminho para menos despesa e menos impostos; não se importa que vivamos hoje com o dinheiro que os nossos filhos e netos vão ganhar, ao ponto de os empurrar para fora de Portugal e tornar mais difícil a sua vontade de se manterem portugueses; não impede que se dê o dito por não dito e não dito por dito; não interessa o que a lei determina relativamente à promiscuidade entre o exercício das funções públicas dos governantes e os seus negócios privados ou dos respectivos familiares; não impede que o governo fira a independência do Banco de Portugal; não liga aos últimos elogios encapotados do PS aos governos de José Sócrates que nos levaram a uma quase bancarrota, apenas evitada pela intervenção da troika pedida pelo mesmo PS que a nega como se fosse uma virgem governamental; deixa que se usem os fundos de Bruxelas para escolher negócios e modernizar o Estado, e não para capitalizar as empresas de forma a que invistam e criem empregos. Mas onde se vê os efeitos nefastos da estagnação ética é na indiferença com que a maioria olha para o que acontece, a forma como encolhe os ombros e uns se vão embora enquanto os restantes baixam a cabeça. O conformismo generalizado é a morte de uma comunidade.

Portugal teve alguns invernos ao longo da sua história. O dos Filipes, principalmente a partir da década de 1590 quando as receitas da coroa espanhola deixaram de ser suficientes para pagar as aventuras de Filipe II; um outro iniciou-se na manhã de 27 de Novembro de 1806, quando D. João VI partiu para o Brasil e deixou atrás de si um país, nobres traídos, criados incrédulos e livros preciosos empapados no cais, um período caótico que durou até 1834, para não ser demasiado exigente. Em miúdo tinha pena dos portugueses que viveram nessas épocas negras, principalmente na primeira em que o fim pareceu definitivo. Mas isso pensava eu, nesses longínquos anos 80.

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