As pessoas são fracas, têm medos e fobias, e também cometem erros de que mais tarde se arrependem. Mas quem pode sistematizar o mal numa sociedade?

Nas três décadas a seguir a 1850 quase 300 mil chineses emigraram para os Estados Unidos. A maioria encontrou emprego nas minas, na construção, na agricultura, nas fábricas e em variadas empresas de serviços. Alguns montaram os seus próprios negócios. Trabalhadores, poupados, sóbrios e respeitadores da ordem e da autoridade, eram os imigrantes ideais que qualquer empregador queria ao seu serviço. Não obstante, em Maio de 1882 a Lei de Exclusão de Chineses foi promulgada pelo presidente Chester A. Arthur (1829—1886). Para que servia esta lei xenófoba? Antes dela, quem não gostava de chineses não era obrigado a comprar nas suas lojas, nem a lhes dar emprego, nem a casar com eles. Para que servia então? Servia para os xenófobos imporem as suas sínicas fobias a todos os seus concidadãos.

Por motivos históricos vários, desde meados do século XIX, os judeus ganharam na Alemanha uma grande visibilidade nas profissões liberais e universidades. Não que dominassem numericamente as profissões, mas nelas tinham uma maior proporção que na população em geral, e chamavam a atenção pelo seu esforço, talento, competência e, o mais imperdoável, pelo seu êxito e prestígio. A medicina não era exceção. No entanto, a partir de Abril de 1933, mais de 400 leis, decretos e regulamentos de caráter antissemítico, paulatinamente, uma a uma, começaram a restringir a vida económica, cultural e social dos filhos de Abraão. Um exemplo foi a proibição, em Maio de 1933, pelo governo bávaro, de médicos judeus atenderem pacientes de raça ariana. Para quê tal lei? É de desconfiar que era necessária porque um grande número de doentes arianos queriam ser tratados por médicos judeus. Isto é, a lei antissemita era imprescindível porque o Estado, ou quem o dominava, não confiava na consciência de raça dos seus cidadãos: a promulgação desta lei demonstra que o alemão médio não era racista—pelo menos quando estava com febre.

Noutro continente, o sistema educacional e de ensino técnico sul-africano formou ao longo dos anos centenas de milhares de profissionais e técnicos de todas as raças. No entanto, em Maio de 1969, uma lei proibia às empresas que contratassem pessoas de cor para operarem elevadores e vário outro tipo de equipamento pesado em minas e fábricas. É óbvio que, se as empresas e os gestores sul-africanos fossem de tal modo racistas que não quisessem contratar trabalhadores de cor para essas funções, esta lei seria inútil. A segregação e discriminação racial seriam espontâneas. A estrutura legal do apartheid só tinha razão de ser se um número significativo de brancos não se importassem de viver e trabalhar juntos com pessoas de cor.

O que têm todos estes casos em comum? O preconceito de uma minoria e a ação legislativa do Estado. Os racistas sabem que numa sociedade livre as fobias individuais não têm impacto duradouro, e que numa economia de mercado a discriminação esboroa-se quando se confronta com os interesses individuais. Mesmo os que não gostam de chineses têm dificuldade em resistir a comprar nas suas lojas quando lá é mais barato. Porque o mau sai sempre mais caro, num mercado livre a maldade vende mal. Mesmo que tenha compradores, normalmente são poucos. Assim, para que a descriminação possa funcionar é requisito que todos sejam obrigados a praticá-la. É portanto necessário seguir a via legislativa e usar do poder coercivo do Estado.

É óbvio que algumas—poucas—leis são necessárias ao funcionamento saudável da sociedade. Mas qualquer legislação deveria passar sempre um teste: será que serve o interesse geral dos cidadãos? Porque quando não passa este teste estamos frente a uma utilização abusiva do Estado por um grupo que o usa para impor a todo o povo, ou a sua imoralidade, ou os seus interesses. A imoralidade? Sim, a imoralidade. Porque a reta razão e a lei natural, ambas património comum da humanidade, levam naturalmente ao comportamento ético, é a imoralidade que tem de ser imposta. E, tal como a imoralidade, são os “direitos” arbitrários de um grupo sobre os outros que têm de ser impostos. Seja em aspetos fundamentais, que violam a dignidade humana, ou em assuntos comezinhos, como os que descriminam e penalizam os amantes de bebidas açucaradas. Mas todas as barbaridades, mesmo o Holocausto, foram precedidas de pequenas medidas discriminatórias. Não será o Orçamento deste ano o prelúdio de 400 peças legislativas persecutórias aos consumidores compulsivos de sacarose? Para quando estará a lei da eutanásia para diabetes e obesos?

Professor de Finanças, AESE Business School

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