Na passada sexta-feira, 29 de maio de 2022, concluí a minha primeira participação como deputada no processo legislativo de aprovação de um Orçamento do Estado.

Foi um longo processo, muitas horas passadas a analisar centenas de páginas de um relatório cheio de boas intenções, mas sem objetivos claros e ações concretas, de uma extensa lei que, supostamente, concretiza o documento anterior e de inúmeros mapas de despesas.

Após a análise, seguem-se as discussões na generalidade e na especialidade, com audições de ministros e de diversas outras entidades. Na fase de discussão na especialidade, aos já extensos documentos do Governo juntam-se milhares de propostas de alteração apresentadas pelos partidos – este ano, cerca de 1 500 – e que, tal como o Carlos Guimarães Pinto tão bem definiu neste texto, em grande medida, constituem um verdadeiro spam legislativo.

Existem muitas aprendizagens e conhecimentos a retirar desta experiência, a começar pelo que motiva o que mencionei anteriormente, nomeadamente a necessidade de os partidos mostrarem serviço, ou intenções políticas, ao invés de apresentarem verdadeiras propostas de alteração ao Orçamento do Estado. Porém, gostaria de realçar dois aspetos que me parecem cruciais e que explicam como chegámos à situação em que nos encontramos, de excessiva presença de Estado nas nossas vidas e de total imobilismo evidenciado por parte do Governo.

Comecemos pelo imobilismo e ausência de reformas que caracteriza este orçamento. Sabemos bem que um orçamento aprovado a meio do ano nunca seria caracterizado por um ímpeto reformista, no entanto, seria expectável mais do que uma atualização – e mal conseguida em termos macroeconómicos, a começar pelo valor da inflação – do orçamento chumbado em outubro passado.

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Seria possível mais e melhor, se existisse vontade política para isso. A verdade é que não existiu e, dificilmente, existirá no futuro, pois a governação do Partido Socialista limita-se a manter o statu quo do Estado a nível da sua organização. Na Saúde, por exemplo, o Governo gaba-se de um reforço de mais 700 milhões de euros, mas é reconhecido por vários especialistas que o problema não reside apenas na necessidade de mais verbas.

Enquanto o modelo – deficitário – do Serviço Nacional de Saúde for o mesmo, todos os investimentos serão ineficazes e ineficientes. Serão, certamente, precisos maiores investimentos, mas, principalmente, são precisas reformas profundas, visão e estratégia. Se continuamos a fazer o mesmo, não podemos esperar resultados diferentes e, assim, vamos continuar com os mesmos problemas de sempre: tempos de espera inaceitáveis para consultas, cirurgias e tratamentos, diagnósticos em atraso, falta de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, demissões e escusas de responsabilidade ou uma dívida cada vez maior que pode pôr em causa o acesso a bens e serviços.

A Iniciativa Liberal apresentou várias propostas de alteração, reformistas, que permitiriam resolver alguns dos problemas identificados – algumas até já previstas na Lei de Bases da Saúde, como, por exemplo, a implementação das Unidades de Saúde Familiar – Modelo C. Foram todas, simplesmente, rejeitadas. Garantir a qualquer pessoa a possibilidade de poder consultar um médico no setor privado ou social, sempre que não tem um médico de família, do SNS, atribuído, ou o acesso atempado a um tratamento ou cirurgia – sem ser, apenas, após ultrapassados todos os prazos razoáveis – deveria ser o normal num verdadeiro Estado Social que aposta na qualidade dos cuidados de Saúde, livre de quaisquer amarras ideológicas.

O Partido Socialista tem todas as condições políticas para, na Saúde e noutras áreas, fazer as reformas que o país precisa, mas prefere cristalizar todas as estruturas do Estado e assim manter o controlo do aparelho administrativo.

O outro aspeto deste processo legislativo que gostaria de mencionar, é o excesso de intervencionismo do Estado nas nossas vidas. Basicamente, tudo o que possam imaginar que seria passível de ser previsto na Lei do Orçamento do Estado e não está, o BE, o PCP, o Livre, o PAN e o Chega, fizeram questão de incluir. Intervenções ad hoc nas leis laborais, estudos sobre tudo e mais alguma coisa – sobre o que comer, sobre como ou quanto tempo trabalhar e, até, para receber sem trabalhar – subsídios para todo o tipo de atividades económicas ou não, isenções fiscais para uns em detrimento de outros, garantia de serviços prestados pelo Estado sem qualquer racional económico que os justifique, criação de todos os tipos de carreiras na função pública ou a contratação, às centenas, de funcionários, reformas antecipadas e pensões para grupos específicos, aumentos de salários, de pensões ou de subsídios, sem qualquer pudor pela impossibilidade dos valores envolvidos, entre tantas outras alterações.

Mas claro que, neste capítulo, este orçamento não foi novidade, pois, exceptuando talvez uma ou outra intervenção externa do FMI, sempre assim foi. E sempre continuará a ser se não conseguirmos nunca retirar o peso do Estado de todos os aspetos das nossas vidas. Porque sim, por cada intervenção do Estado, mais impostos terão de ser cobrados.

Sabemos que o Orçamento do Estado é o instrumento principal que todos os grupos de pressão usam para, junto dos partidos, garantir a sua quota parte de receitas dos contribuintes. Esses pedidos são muitas vezes justos e necessários, mas importa refletir no que isso significa. Segundo dados da OCDE, Portugal é o 10º país entre os 38 países membros com o peso mais elevado da carga fiscal sobre salários, que, em 2021, atingiu os 41,8%. Um país onde o salário médio é de 1.361 € e onde o salário mínimo nacional tem de ser subsidiado às empresas. Parece-me óbvio que o que estamos a exigir dos contribuintes é incomportável, até porque não é desejável, ou mesmo possível, aumentar mais a carga fiscal.

Chegou, assim, a altura de nos focarmos no único grupo que não sai beneficiado deste orçamento — o dos contribuintes. Se não retirarmos o peso do Estado de todos os aspetos da nossa vida, continuaremos a ter pessoas que não conseguem prosperar, pois uma grande parte do seu rendimento é retirado para manter um Estado que, ironia, não responde às suas necessidades, não dá perspetivas e não apresenta soluções.