Em 2013, a NUTS III — Unidades Territoriais Estatísticas, a unidade utilizada pelo Eurostat para caracterizar o território europeu — da Península de Setúbal foi extinta e os nove concelhos da Margem Sul do Tejo que a integravam foram incluídos na NUTS III Área Metropolitana de Lisboa (AML), conjuntamente com os nove concelhos da Margem Norte. Numa espécie de milagre estatístico, os nove concelhos da Península, cujo nível de rendimento é substancialmente inferior aos da Margem Norte, passaram a ser considerados “ricos”, (isto é, de coesão) com um rendimento aproximado de 90 por cento da média europeia.

Este falso milagre teve, tem e terá consequências económicas perversas. Impediu o acesso do território aos fundos comunitários destinados à coesão económica e social, pilar absolutamente fundamental para o projecto europeu e, por isso mesmo, previsto nos tratados da União Europeia, entre eles o acordo de Lisboa.

Desde então, por razões exclusivamente burocráticas, o território perdeu acesso ao Quadro Comunitário de Apoio 2013-2020. E as empresas, autarquias e IPSS da Península de Setúbal foram excluídas dos mecanismos de cofinanciamento comunitário. Esta situação aprofundou a divergência entre o rendimento per capita dos habitantes da Península em relação às médias nacional e europeia, consolidando uma terrível e grave trajetória de empobrecimento.

Paralelamente, as empresas da região, algumas das mais dinâmicas, competitivas e exportadoras unidades industriais nacionais, também ficaram impedidas de cofinanciar a sua modernização em igualdade de circunstâncias às oferecidas às restantes empresas do país. Assim, enquanto as empresas da Península de Setúbal perdiam capacidade de investir, as empresas de regiões como a Área Metropolitana do Porto, Vouga, Minho, Oeste ou Alentejo Litoral, continuaram, e bem, a beneficiar de fundos por se situarem em NUTS II e III, com níveis de rendimento inferiores a 75% da média comunitária.

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O efeito dominó deste absurdo estatístico atinge fatalmente a dinâmica social e económica da Península de Setúbal. Os novos investimentos privados que surgiriam naturalmente, passaram não só a não ser incentivados como, na verdade, receberam um inequívoco sinal contrário — se há outras zonas do país que recebem mais apoios e atenção pública, então é aí que deve ser aplicado o capital. A continuidade das atuais empresas fica, assim, comprometida a prazo, já que para se modernizarem sem assumir custos elevados — e, nalguns casos, incomportáveis — terão, a certa altura, de deslocalizar-se para fora da Península de Setúbal. A prazo, a próspera Área Metropolitana de Lisboa corre o risco de obsolescência e perda de coesão económica e social.

Desde 2017, que a AISET tem alertado o Governo para a necessidade de corrigir esta situação. Para que isso aconteça, o Governo tem apenas de criar uma NUTS III Península de Setúbal, enquadrada numa nova NUTS II Península de Setúbal, e informar o Eurostat e a Comissão Europeia. No entanto, escudando-se no falso argumento de que esta é uma competência de Bruxelas, o Governo não fez essa alteração administrativa em 2019, necessita fazê-la até fevereiro de 2022 e, se tal não suceder, condena uma zona do país com 800 mil habitantes a um progressivo deslaçar social e ao desperdício de décadas de trabalho e esforço.

Este alerta que estamos a fazer não pretende de forma alguma dividir os mesmos fundos europeus por mais regiões, cidadãos e instituições. Não se trata de dar a uns para tirar a outros. Trata-se, sim, de classificar com rigor a realidade sócio-económica da Península de Setúbal, de perfil industrial e empobrecida, para obter da União Europeia os fundos de coesão que lhe deviam ser atribuídos por direito próprio e não por qualquer espécie de favor. Dito de outra forma, porque este território é o que é – ou seja, não é uma abstração estatística, mas, sim, uma zona do país com indicadores reais, problemas reais, pessoas e empresas reais e uma história de crescimento e progresso que está a ser sufocada e comprometida por via administrativa.

Ao ter seguido o caminho oposto, o Estado português desperdiçou, desde 2013, mais de quatro mil milhões de euros em fundos europeus, fundos que não foram atribuídos à Península de Setúbal nos PT-2020 e PT-2030. Se o Governo insistir neste absurdo estatístico, vão evaporar-se mais dois mil milhões de euros relativos ao Quadro Comunitário 2027-2034. Num país que precisa tanto de investimento estrutural e estruturante, o desperdício é pura e simplesmente incompreensível.

Esta situação é ainda mais tenebrosa e paradoxal, porque o Pacto Verde Europeu, destinado a financiar a transição para uma economia descarbonizada e digitalizada, não pode ser aplicado às empresas da região por causa desta exclusão e ficção burocrática. Como a Península de Setúbal não se desenvolve, também não contribui para o crescimento do PIB nacional e talvez seja também por esta razão que Portugal tem sido ultrapassado por países que são membros da União Europeia há menos tempo — e que se revelam mais competentes na gestão das regras do jogo.

Acreditamos que o Governo está a violar os tratados europeus e a deixar uma região económica de grande potencial ajoelhada aos pés da próspera capital. A proximidade a Lisboa deve ser vista e tratada com uma vantagem, não como factor de discriminação e desigualdade que prejudica a região e a competitividade de Portugal.

A Península de Setúbal tem direito a ver devolvido o seu futuro!