Maio de 68: 50 anos depois
Contra os anseios revolucionários de Maio de 68, a França permaneceu “burguesa”, isto é, livre e democrática. Pôde assim absorver ideias de Maio de 68, que teriam sido esmagadas pelos comunistas.
Uma palestra em Lisboa, artigos na Spectator, Guardian e City Journal remetem para a conversação com as grandes obras da tradição ocidental da liberdade sob a lei, tradição de Atenas, Roma e Jerusalém
Na passada quinta-feira, teve lugar na Universidade Católica a 17ª Palestra Anual Alexis de Tocqueville, promovida pelos Instituto de Estudos Políticos daquela Universidade (IEP-UCP), com o patrocínio exclusivo do BPI. O evento sofreu sem dúvida de graves lacunas: não foram abordados os magnos problemas que afligem a nação, os sms da Caixa Geral de Depósitos, nem a história dos offshores. Também não foram dirigidos insultos a ninguém, nem discutidos tópicos da vida privada de celebridades mediáticas. Com chocante indiferença por esses magnos temas da vida nacional e internacional, o tema central foi “A Tradição Ocidental da Liberdade e as suas Raízes Clássicas e Cristãs nos Grandes Livros”.
Acresce que este tema bizarro é recorrente no IEP-UCP. Seis cadeiras precisamente intituladas “Tradição dos Grandes Livros” (TGL) percorrem os seis semestres da Licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais. Uma sétima, intitulada “Geopolítica e Geostratégia” é inteiramente dedicada a Tucídides e à sua História da Guerra do Peloponeso. Uma oitava cadeira, “Teoria Política Contemporânea”, é dedicada aos principais autores e obras do século XX. O mesmo tema de TGL é recorrente na revista Nova Cidadania, publicada pelo IEP-UCP.
Anthony O’Hear, o orador da Palestra Tocqueville da passada quinta-feira, ofereceu algumas pistas para compreender esta bizarria. Disse ele, citando Leo Strauss, que a vida é demasiado curta para viver com outros livros que não os Grandes Livros. E sugeriu que, através do estudo das grandes obras do Ocidente, somos levados a elevar o olhar para a perpétua conversação sobre os grandes temas que inspiram a civilização ocidental fundada na liberdade sob a lei, a civilização cujas raízes remontam a Atenas, Roma e Jerusalém.
“Perpétua conversação” é a expressão adequada. Os grandes autores olharam os grandes temas com perspectivas diferentes. É por isso que as culturas que só conhecem a “doutrinação” e ignoram a “conversação” têm dificuldade em compreender o apreço ocidental pela conversação pluralista da Tradição dos Grandes Livros. Para essas culturas não ocidentais, educar significa basicamente “treinar” — treinar decisores arbitrários e/ou seguidores obedientes do capricho da vontade e do apetite sem entrave. Esse é o treino que alimenta o fanatismo e o tribalismo.
Um exemplo curioso terá sido fornecido por uma recente visita de estudantes de Eton a Vladimir Putin. Este queria saber como e porquê tinha aquele colégio “produzido” 19 primeiros-ministros britânicos. Os alunos citaram o ambiente pluralista do colégio, a existência de inúmeras sociedades e clubes promovidos pelos alunos e a grande variedade de oradores convidados — o que alargava os horizontes de todos. Segundo Charles Moore (que relata o encontro na Spectator de 18 de Fevereiro), o sr. Putin terá tido dificuldade em compreender o conceito de “sociedades” ou “clubes”, sobretudo por estes não serem centralmente dirigidos e por abrangerem áreas tão diferentes como política, literatura ou, simplesmente, … gastronomia.
Num outro artigo recente, o Guardian de Londres interrogava-se sobre o mistério da Licenciatura em PPE (Philosophy, Politics and Economics) de Oxford, pela qual passaram inúmeros líderes políticos e empresariais, diplomatas e jornalistas, britânicos e não só. O longo artigo (algo oblíquo, como seria de esperar do Guardian, um jornal que não costumo frequentar) não resolve o mistério. Mas de novo remete para o papel crucial desempenhado pelo estudo das grandes obras do passado e para a moderada indiferença relativamente aos temas que dominam o dia-a-dia.
Também a edição mais recente do City Journal de Nova Iorque (Winter 2017, Volume 27, Number 1) publica um artigo sobre a Tradição dos Grandes Livros. Sob o título “A Republic in the Atlantic”, Miguel Monjardino (que lecciona Tucídides no IEP-UCP) relata a extraordinária experiência de estudo dos grandes livros que vem promovendo na Ilha Terceira com alunos do 10º, 11º e 12º anos.
Escrevendo em 1968 sobre a “educação liberal” — no sentido medieval das “Artes Liberales” e do estudo das grandes obras —, Leo Strauss dizia:
“A educação liberal é o remédio contra o veneno da cultura de massas, contra os efeitos corrosivos da cultura de massas, contra a sua tendência intrínseca para produzir ‘especialistas sem espírito ou visão e voluptuosos sem coração’. […] A educação para a gentlemanship, para a excelência humana, a educação liberal consiste em recordar a cada um de nós a excelência humana, a grandeza humana. […] A constante conversação com as grandes obras ensina-nos a mais elevada forma de modéstia, para não dizer humildade. Ao mesmo tempo, exige-nos uma ruptura completa com o ruído, a pressa, o vazio e a vulgaridade da Feira de Vaidades dos intelectuais, bem como dos seus inimigos. […] A educação liberal é a libertação da vulgaridade (…) e a oferta da experiência com as coisas belas. […] Por esta via, pode talvez voltar a ser verdade que as pessoas educadas liberalmente venham a ser pessoas moderadas.” (Leo Strauss, Liberalism: Ancient and Modern, with a Foreword by Allan Bloom, The University of Chicago Press, 1968/1995).
Contra os anseios revolucionários de Maio de 68, a França permaneceu “burguesa”, isto é, livre e democrática. Pôde assim absorver ideias de Maio de 68, que teriam sido esmagadas pelos comunistas.
Como escreveu Maria João Avillez, “o Victor destoava. Via mais longe, antes dos outros e, pior, estava de boa fé e cultivava a ética.” Numa palavra, era um senhor.
Será possível evitar o choque tribal entre populismo e liberalismo iliberal?
Neste tempo da quarta revolução industrial a defesa da rigidez laboral ou da omnipresença do Estado, ou das “reversões”, mostram-nos uma esquerda prisioneira do século XX e reaccionária no século XXI.
Sim, possivelmente, “Marx vive” — nas culturas políticas tribais que desconhecem o primado da lei. Mas nem todas as culturas políticas são tribais. Por esta razão, não somos todos marxistas.
É muito curiosa concepção da liberdade que Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua partilham. A liberdade é o Estado e mais nada. Qualquer sopro fora do Estado é “ofensiva liberal” que urge erradicar.
Se as teorias a respeito do desaparecimento inexorável do nacionalismo estavam certas, como foi possível este aparente regresso do sentimento nacional?
A felicidade está na moda e foi até usada para fins de marketing político. Veja-se que uma das primeiras medidas de Maduro foi criar um “Vice-Ministério da Suprema Felicidade do Povo Venezuelano”
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