No Qatar eu seria considerado um criminoso. Poderia ser, inclusive, condenado à morte. Poderia ser perseguido e torturado pela polícia. Seria preso, pelo menos, durante vários anos. Segundo o embaixador do mundial de futebol, a homossexualidade é “um distúrbio mental”, pelo que esse seria o rótulo que estaria associado a mim. Face a isto e a tantos outros direitos que são violados neste país, não consigo conceber como poderemos desfrutar de um evento que deve celebrar a liberdade, a diversidade e que deve ser sinónimo de união e de companheirismo.

É uma hipocrisia fingirmos que não sabemos disto tudo e, pior ainda, ignorarmos todos estes factos para desfrutarmos de “bons momentos televisivos”. Não sei quem consegue estar de consciência tranquila com aquilo que se está a passar e quem consegue abdicar dos seus valores e crenças pessoais para valorizar o que menos importa nisto tudo: o futebol! Quando os direitos humanos são postos em causa, nenhum evento, organização ou país que seja merece a nossa consideração e a nossa participação, na medida em que, ao fazê-lo, não estamos assim tão distantes de quem pratica estes atos.

Esta ideia de ignorar acontecimentos que são absolutamente desumanos, que colocaram milhares de vidas em causa, que implicaram um sofrimento atroz para uma imensidão de pessoas e retirarmos a nossa responsabilidade, como detentores desta informação, implica estarmos a ser complacentes com estas realidades. Seria útil pensarmos como, eventualmente, quem pertence a um destes grupos se sente, quer no Qatar, a viver na primeira pessoa, quer fora dele. A própria forma como as organizações de futebol estão a lidar com os movimentos pró-direitos humanos, num sentido repressivo e de ameaça, deve-nos fazer questionar sobre pelo que queremos lutar no nosso futuro e sobre os nossos valores fundamentais.

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