1Complexidade crescente

Quando em 1969 se traçou a vontade de criar novo aeroporto para Lisboa, as políticas públicas e os correspondentes processos de decisão relativos a investimentos eram bem mais simples tendo vindo a sua complexidade a não cessar de aumentar não só pela crescente importância atribuída a múltiplos critérios (ambiente, risco, etc) mas também pela crescente incapacidade de os financiar através do OE devido ao crescente aumento da dívida o que implica procedimentos de contratação pública regulados pelas Diretivas da UE de 2014 e pela legislação aplicável, em especial pelo Código dos Contratos Públicos (CCP)  de modo a garantir condições de transparência, equidade e concorrência na angariação dos parceiros privados financiadores e dos necessários construtores e gestores.

O caso do novo aeroporto de Lisboa é bem paradigmático, crendo-se que tão persistente indecisão ao longo de mais de meio século também provirá das crescentes complexidades que têm vindo a surgir bastando aqui referir quatro fatores relevantes:

  1. A incerteza relativa às acessibilidades, sendo ilustrativo reler a valiosa avaliação elaborada pelo LNEC e dirigida pelo seu investigador Lemonde Macedo, em 2008 onde se referia na pag 245 que, no que respeitava às ligações ferroviárias, no caso da Ota, não se considerava tal custo pois não se duvidava da passagem por aí da linha de alta velocidade, e, no caso de Alcochete, bastaria prever a curta ligação de cerca de 20 km entre o aeroporto e Pinhal Novo ( além da compra de 2 automotoras) pois este também estaria servido pela linha de alta velocidade. Ora, como o leitor poderá comprovar visitando estas aprazíveis regiões, não se vislumbram quaisquer sinais dos prometidos carris.
  2. A complexidade adicionada pelo contrato de concessão celebrado com a ANA pois este também inclui pressupostos e normas procedimentais a respeitar para o processo relativo ao desenvolvimento do novo aeroporto de Lisboa.
  3. As atribuições e intervenções de outros atores, designadamente municipais, importando recordar que, na verdade, decisão tomada sobre o Montijo terá sido invibializada por dois municípios os quais foram, então, considerados como fator abusivo de resistência injustificada.
  4. Todavia, tal posição deverá agora ser reabilitada já que o Governo concluiu ser preferível apostar no desenvolvimento da metodologia apropriada a este processo de decisão durante 2023, importando comparar todas as alternativas que têm vindo a ser sugeridas, algumas das quais exteriores ao perímetro da opção garantida pelo contrato de concessão.

2Porquê modificar o contrato de concessão?

Convém começar por observar que é normal e até frequente introduzir modificações nos contratos públicos celebrados as quais se regem pelo CCP sendo interessante referir que  o nosso regime de introdução de modificações tem vindo a evoluir favoravelmente, aproximando-se agora das orientações comunitárias devido à Lei 30/2021.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ora o contrato em questão é bem anterior pois data de 2012 e baseou-se em pressupostos e opções certamente compreensíveis à data mas que atualmente convidam à reflexão, e , eventualmente, à sua reformulação , designadamente :

  • a avaliação das alternativas para o novo aeroporto depende inevitavelmente do plano e da estratégia nacionais sobre o transporte aéreo (passageiros e mercadorias) e não surpreende que as perspetivas de 2022 sejam distintas das de 2012;
  • o contrato de concessão admite o encerramento da Portela, referindo-se no seu Artigo 52.3 “ A concessionária procede ao encerramento…”;
  • este contrato esclarece no seu Artigo 50.2 que “ O concedente deve diligenciar no sentido de obter financiamento e de desenvolver todas as infraestruturas de transporte e de utilidade pública necessárias para o acesso e utilização do perímetro do NAL ( Novo aeroporto de Lisboa)”…;
  • o procedimento de proposição, avaliação e contratação constante dos Artigos 45º a 48º exige cerca de 5 anos entre o início do procedimento após indicação de locais pelo concedente, até à celebração do acordo com base em candidatura aprovada a qual não inclui o projeto;
  • as atuais orientações governamentais a respeitar e cuja justificação é bem conhecida apontam para que seja permitida a comparação entre alternativas exteriores ao perímetro o que também não é considerado neste contrato.Todavia, o Artigo 48.2 estabelece que se não for alcançado o acordo durante 12 meses (ou, eventualmente, 12+6) após a aprovação provisória da candidatura, termina a opção da concessionária.

3Para quê modificar o contrato de concessão ?

Na verdade, não poderá surpreender que no nosso mundo em mudança um contrato celebrado a 17 de Dezembro de 2012 e cujo 10º aniversário se celebrará dentro de poucos dias, tenha de se adaptar às novas exigências atuais, designadamente :

  • a necessidade de passar a considerar os atuais planos e estratégias para o transporte aéreo em Portugal os quais não coincidirão, certamente, com as opções de 2012;
  • a necessidade de passar a considerar explicitamente a opção de não encerrar a Portela o que também exigirá esclarecer os deveres e legítimos direitos que então assistirão ao concessionário segundo este novo postulado;
  • a necessidade de o Estado recorrer a modelo do financiamento privado (eventualmente, PPP) para suportar os pesados custos das “infraestruturas de transporte e de utilidade pública” tendo já surgido estimativas para uma das localizações de vários milhares de milhões de euros(!), e estando esta opção em linha com o recente anúncio feito pelo Governo para a alta velocidade até Vigo;
  • os altos riscos de desacertos de calendarização e de deseconomias que o Estado irá correr se adotar modelos de financiamento desarticulados entre acessos e novo aeroporto contrariando-se, assim, recomendações internacionais;
  • a necessidade de evitar procedimento tão longo entre o início da preparação do relatório incial e a celebração do acordo de modo a não agudizar as dificuldades atuais já que se somar aos 5 anos referidos o tempo de execução do projeto ( não menos de 2,5 anos) e o da construção ( não menos de 5,5 anos), obtém-se a data de 2038 (!) para entrada em serviço do novo aeroporto supondo que se desenvolve a metodologia em 2023 e que a sua aplicação é feita durante 2024 após o que cessariam todas as dúvidas, o que talvez seja hipótese excessivamente optimista;
  • a necessidade de estabelecer modelo de avaliação multi-critério que permita estruturar a avaliação integrando os diversos critérios sem deixar de incluir os trade-offs compensatórios essenciais evitando o atual amontoar de avaliações e sem esquecer que esta avaliação não pode ser exclusivamente ambiental, tal como foi recordado recentemente pela Profa Rosário Macário do IST;
  • a necessidade de construir modelo de contratação aberto e respeitando os princípios da transparência e equidade, potenciando o quadro legal em vigor, de modo a criar as condições para a avaliação fundamentada e independente, substituindo a atual lógica de impasse acrimoniosa por dinâmica de cooperação entre os atores interessados –designadamente municipais — visando a prossecução do interesse público.

O Governo tomou a boa decisão de se dedicar o próximo ano ao desenvolvimento da metodologia de decisão pelo que se espera que este contributo seja útil a tal objetivo.