Na semana passada discutiu-se “Habitação e urbanismo no concelho de Lisboa”, um debate requerido pela bancada do Aliança na Assembleia Municipal. A esquerda apresentou a sua colecção de insultos, com o habitual molho de embustes e demagogia. Apontou o dedo a Pedro Passos Coelho. E apontou também à ex-ministra Assunção Cristas, por ser autora, ou por ter perfilhado, a famosa “lei das rendas”, a que a esquerda chama, na sua infinita falta de imaginação, “lei dos despejos”. De resto, uma lei pela qual a esquerda nutre certa estima, visto que em sete anos de governo – seis dos quais em “posição conjunta” – não tratou de a destruir. Sabe-lhes bem, a estes assombrosos demagogos, despejar o odioso na cabeça de Assunção Cristas, e ornar com os louros das benfeitorias as cabeças dos seus próprios próceres. A “lei das rendas” era necessária e mantém-se necessária. Só peca pelas amolgadelas que a esquerda lhe aplicou para fingir que a estava a demolir.

Enfim, também desta vez, como era esperável, toda a esquerda exigiu mais e mais habitação pública. A direita tentou pôr algum juízo no debate. O Partido Socialista esqueceu-se que tinha mentido aos lisboetas quando anunciou como entregues, para efeitos de propaganda eleitoral, antes das últimas autárquicas, uma série de casas cujas obras de reabilitação nem sequer estavam a meio. Eram casas na Avenida dos Estados Unidos da América, incluídas no Programa de Renda Acessível – uma ideia má que este executivo herdou do anterior; mas que aprova, subscreve, e ao qual decidiu dar continuidade.

Olhemos para a verdadeira dimensão e natureza do problema. Existem em Lisboa, propriedade das pessoas que aqui vivem, cerca de 200 mil automóveis (ou um pouco menos). Todas as manhãs, de segunda a sexta-feira, entram na cidade mais 370 mil. Ou seja, o número total de automóveis que circulam dentro da cidade aos dias de semana é quase triplicado; há mais automóveis a circular (perto de 570 mil) do que habitantes em Lisboa (não chega a 550 mil).

Como é que se explica este movimento pendular? Dois terços dos empregos em Lisboa são ocupados por pessoas que não vivem cá. Chegam todos os dias de manhã, para trabalhar, e saem ao final do dia, para dormir. É um problema da área metropolitana. Estas pessoas não conseguem ter trabalho no concelho onde vivem nem conseguem encontrar casas para viver dentro de Lisboa.

E o Partido Socialista, que governou Lisboa durante 14 anos seguidos, o que fez? Relembro. Fez a Operação de Entrecampos, no centro de Lisboa, uma área a rebentar pelas costuras onde já não se consegue passar, a qualquer hora do dia. Fernando Medina, seguindo as recomendações desinteressadas e prudentes de Manuel Salgado, vendeu aqueles terrenos com um excesso escandaloso de área de construção, que nenhum pretexto pode perdoar. Mas a parte pior é que atribuiu 70% de área para comércio e escritórios, e deixou apenas 30% de área para habitação.

Fernando Medina dizia, orgulhoso, que a Operação de Entrecampos era “a maior operação urbanística desde a Expo 98”. E tinha razão. Mas é também o maior erro e a maior ferida que se abre em Lisboa em muitas décadas, um aleijão com que nenhum lisboeta sonhou e do qual só se dará conta daqui a uns anos. O orgulho dele é o orgulho dos pequenos déspotas.

A extrema-esquerda, que hoje grita por habitação pública, e que insiste em apontar o dedo a Pedro Passos Coelho, permitiu que Fernando Medina fizesse isto. A extrema-esquerda fala nestes debates como se não tivesse desempenhado um papel determinante no governo do país durante 6 anos, e no governo da cidade durante pelo menos outro tanto. E como se não tivessem sido coniventes com todas estas políticas. Nenhuma ideia, nem nenhuma prática, vinda da esquerda vai algum dia resolver o problema da habitação.

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