Nos próximos seis anos, Portugal irá receber quase 14 mil milhões de euros de subvenções a fundo perdido, para, supostamente, recuperar da destruição económica causada pela pandemia de Covid-19 e voltar ao nível de rendimento em que estava no início de 2020 (a tal resiliência).

Parece muito dinheiro, mas colocando em perspetiva, serão em média 2,3 mil milhões de euros por ano, pouco mais do que 1% da riqueza criada anualmente em Portugal. Para cada Português caberá, em média, 19 euros por mês, ou seja, 63 cêntimos por dia… sim, é mesmo apenas isso: 63 cêntimos por dia, por pessoa.

Se já está a pensar onde vai gastar os seus 63 cêntimos diários, o melhor é esperar. O problema é que os ganhos médios nunca são ganhos reais, porque a distribuição de rendimentos não é normal (no sentido estatístico do termo), mas sim altamente enviesada a favor de uma minoria. É a famosa metáfora de duas pessoas que em média comem um bife por dia, mas na realidade uma delas come dois e a outra não come nenhum. Vejamos, então, quem é que vai beneficiar mais destes dinheiros.

Logo no início do plano fica claro que o grosso do investimento, num total de 8.543 milhões de euros (61% dos fundos), será numa dimensão com o nome “Resiliência”, a qual engloba várias componentes que habitualmente são responsabilidade do Governo e do Orçamento do Estado, tais como o Serviço Nacional de Saúde, habitação, respostas sociais, eliminação de bolsas de pobreza, infraestruturas, florestas. É de notar que uma das preocupações do documento é a falta de habitação acessível para… funcionários do Estado em colocações temporárias. Também constam como componentes, a formação profissional (necessária, mas reduzida a 710 milhões de euros) e 830 milhões de euros para infraestruturas (rede viária). Por fim, temos uma componente para investimentos industriais, onde o plano reconhece que Portugal perdeu competitividade industrial, pois o peso da indústria no PIB português (13,5%) está muito abaixo dos 16,5% de peso da indústria no PIB da União Europeia (UE). Para isto, o Governo reservou 1.386 milhões de subvenções. Ou seja, mais de 83% dos valores a fundo perdido desta dimensão destinam-se ao Governo, para o Governo fazer o que é a sua obrigação fazer com os impostos que cobra aos Portugueses. Sem que os impostos diminuam, note-se.

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Depois, temos uma segunda dimensão com o nome “Transição Climática”, com 2.888 milhões de euros (21% dos fundos), onde pontuam 1.032 milhões de euros para mobilidade sustentável. Esta mobilidade sustentável consubstancia-se novamente em investimento governamental na expansão das linhas de metro existentes e na compra de equipamento de transportes públicos, como por exemplo quatro navios “limpos”(!?), entre outros pormenores que me deixam apreensivo. Nesta segunda dimensão, temos ainda 371 milhões para os polémicos projetos de hidrogénio e renováveis e uns 900 milhões de euros para reconversão industrial. Esta última componente representa 6,5% dos fundos totais, o que é francamente pouco para o problema de falta de competitividade de que padecemos. Há muitos anos que Portugal não consegue atrair um único investimento industrial de grande dimensão e a causa deste problema não é mencionada.

Por fim, a terceira dimensão do plano é a “transição digital”, com 2.513 milhões de euros (18% dos fundos), e engloba componentes como Reforçar a Qualificação e Rejuvenescimento do Quadro de Recursos Humanos da Administração Pública. Ou seja, contratar mais funcionários. E também comprar 260 mil computadores para alunos e professores. Aqueles que já deviam ter sido comprados. Quanto às empresas privadas, terão a oportunidade de formar 36 mil trabalhadores. Sabendo que as empresas privadas empregam mais de 3,6 milhões de pessoas, esta possibilidade que o Governo dá para as empresas formarem 1% da sua força de trabalho ao longo de de seis anos é de grande generosidade. Estou a ser irónico e é verdade que existem outros investimentos para as empresas, os quais, no total, ascendem a 650 milhões de euros (4,6% dos fundos totais), o que é francamente pouco.

Um dos problemas de Portugal está identificado no plano: temos apenas 26% da população ativa com o 12.º ano e com formação profissional, quando a média europeia é de 47%. Sem capital humano não é possível ter salários elevados nem atingir o nível de vida que ambicionamos.

Mas depois o plano também identifica que Portugal tem um problema de competitividade, pois nos últimos 25 anos perdemos atividade industrial em relação à UE (tínhamos o setor industrial a representar 18% do PIB em 1995, e agora temos 13,5%, contra 16,5% de média da UE). E, nesse aspeto, o plano não explica porque é que perdemos competitividade e porque é que os jovens portugueses qualificados continuam a emigrar. Pode ser coincidência, mas desde que os preços da eletricidade começaram a aumentar (por causa da subsidiação das renováveis), nunca mais tivemos um grande investimento industrial. Com uma indústria cada vez mais robotizada, o principal componente do custo de produção é a eletricidade. E a eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, ao contrário do que é intuitivo, é muito cara e altamente subsidiada. E neste plano vemos investimentos que muito provavelmente irão aumentar ainda mais o custo da eletricidade e com isso inviabilizar novos investimentos industriais. E sem novos investimentos industriais, vamos voltar a repetir o modelo económico baseado em extrativismo, em que o Estado é o suposto motor da economia, com os mesmos resultados de sempre: estagnação e emigração.

Admito que a idade e experiência nos tragam amargura e por isso, para mim, este plano tem um ar de ‘já visto’. Haverá quem diga “desta vez é diferente!” Só que os economistas sabem que essa expressão quer dizer que de facto não é diferente. É mais do mesmo. E também existe aquela expressão apócrifa de Einstein: “Insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes”; nesta lógica, o acrónimo PRR representa o Plano de Repetição (i)Racional.