Todos dizem que somos um povo simpático. Recebemos bem os estrangeiros que nos visitam, paramos na rua para os escutar quando pedem direcção num arrazoado cheio de “obrigada” e “pôr fevour”, damos conversa, somos simpáticos. E se acham que isso é natural, então é porque são portugueses: para muitos povos no Mundo – como sabem todos quantos viajam –, natural é mostrar má cara, passar ao lado, ignorar o chato do turista, do estrangeiro, do “outro”.

Somos simpáticos, diriam alguns, por força dos brandos costumes que cultivamos e nos levam a escolher sempre o caminho do meio, a solução de compromisso, o acordo em vez do litígio. Pois para os que acham isso, tenho boas notícias: somos simpáticos, mas podemos estar em vias de deixar de o ser. Porque cada vez mais estamos a escolher o conflito e a sustentar opiniões radicais. Porque cada vez mais sorrimos menos.

A simpatia é uma arma poderosa. Um testemunho de inteligência. Uma divisa que compra simpatia. Um sinal de respeito pelos outros. E um sorriso é sem dúvida a manifestação mais imediata de simpatia. Mas cada vez sorrimos menos.

Ao pensar neste artigo, sabia – intuitivamente – que o sorriso, quando genuíno, é essencial à vida humana: por melhorar o nosso estado de espírito e contribuir para melhorar o estado de espírito dos outros, o sorriso é terapêutico, é um lenitivo e, “surprise surprise”, torna mais bonito ou bonita quem o usa. Façam a experiência frente ao espelho e confessem se não se consideram mais atraentes a sorrir do que com má cara (mas não vale partir do princípio que isso não acontece e fingir um sorriso feio, que é falso e triste e não passa de um trejeito).

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O sorriso provoca em nós um sentimento de felicidade e não é a literatura de auto-ajuda que o diz, mas a ciência: ao contraírem-se, os músculos faciais enviam um sinal ao cérebro, estimulando o sistema límbico e desencadeando o mecanismo de recompensa do cérebro. A sensação de felicidade leva o cérebro a produzir endorfinas que envia para o resto do corpo, levando à contração dos músculos faciais que devolvem ao cérebro a cortesia.

E é contagioso, o sorriso: ver pessoas a sorrir estimula os nossos neurónios espelho, que suprimem o controlo dos músculos faciais e desencadeiam um sorriso. Como se vê, o sistema é interactivo e potencialmente perpétuo: com o aumento dos nossos níveis de felicidade, ao fluir das correspondentes endorfinas e hormonas, sentimo-nos melhor, mais realizados e com vontade de continuar a sorrir. Somos simpáticos porque sorrimos, sorrimos porque somos simpáticos.

Então porque é que não continuamos?

Um estudo realizado pelo Laboratório de Expressão Facial da Emoção da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa, concluiu em 2013, após dez anos de análise dos sorrisos dos portugueses, que estes sorriem cada vez menos (desde 2003). Quer em frequência quer em intensidade, o sorriso português diminuiu. Desistimos de ser felizes?

É um assunto complexo, sem uma resposta única e cabal, pois são muitas as razões que levam os portugueses a sorrir menos; a fechar a cara e acalentar pensamentos negativos; a considerar a vida com enfado e sentimentos de desistência. A crise económica, os problemas familiares, o desemprego, o medo do desemprego… Mas persiste a dúvida: por que é agora assim quando, no fundo, os problemas actuais não são muito diferentes dos do passado e os portugueses não vivem hoje pior do que há 40 anos, pelo contrário (são os factos e as estatísticas que o dizem, talvez não valha a pena especular).

Há então um mal-estar português, que nos rouba aquele que foi sempre o nosso maior trunfo: o sorriso e, com ele, a simpatia, ou vice-versa?

Vivemos tempos difíceis. Mas a crispação em que mergulhou a nossa sociedade, não sendo caso único nem excepção na Europa, é pelo menos uma ameaça ao nosso modo de vida, ameaçando retirar-nos boa parte da nossa principal vantagem comparativa face aos restantes povos do velho continente. Receber bem, receber com gosto, receber com um sorriso quem nos visita, contacta ou para cá imigra: foi sempre esse o segredo de Portugal, agora retribuído com juros pelos que apreciam conhecer-nos. Mas temos de ser capazes de manter o sorriso.

Há uma radicalização crescente da opinião no nosso país, que, mais uma vez, não é caso único, mas tem particular importância para nós: basta ver como as redes sociais – e as mais variadas caixas de comentários – estão cheias de um discurso que é muitas vezes de ódio, infelizmente vezes de mais alimentado pela ignorância e a iliteracia. Vivemos numa sociedade em que tudo é futebol (bem sei que somos campeões da Europa): detestamos o árbitro, qualquer árbitro, esquecemos regras, conveniências e até os factos quando se trata de defender o nosso clube. O mesmo sucede hoje em dia, mutatis mutandis, com o fenómeno político, sendo que neste caso parece haver cada vez mais árbitros num jogo pouco entusiasmante e repetitivo.

Mais preocupante é o facto de se multiplicarem na nossa sociedade fenómenos radicais, já não apenas na opinião – cada vez mais extremada a propósito de tudo e de nada – mas no dia a dia: espancamentos de menores, assassinatos hediondos e inexplicáveis, morte de recrutas, fogos devastadores incontroláveis, falência de bancos (ou a salvação de bancos à custa de todos), fuga de cérebros (já nos esquecemos?), desemprego jovem, uma economia anémica. O director do mais importante museu nacional que diz estar património (inestimável) em risco. E a agenda mediática sempre a girar à volta dos mesmos e do mesmo. Para o ano há eleições.

São argumentos ad terrorem? É verdade, mas não menos verdade é que está na altura de reinventar o sorriso em Portugal. De deixar de lado a visão futebolística – maniqueísta – da vida e, sobretudo, dos outros. De descrispar (permitam-me…) as nossas tensas faces e acreditar no país sem ver em tudo e todos inimigos. Libertemos o mecanismo da recompensa…

Provavelmente serei eu a ver tudo negro, do lado mau do meu próprio maniqueísmo. Retirei do blog simpático da escritora e colunista Sarah Hendrickx, que sinceramente não sei quem seja, a frase da minha semana sobre Portugal e os portugueses (isto é, nós):

“Há algum tipo de magia em Portugal, onde contra todas as possibilidades, as coisas acontecem; e quase sempre com um complemento de simpatia” (“Some kind of magic exists in Portugal where against all odds, stuff happens; and often with added kindness too”). Não é completamente lisonjeador, mas é em boa parte verdadeiro (o texto).

A simpatia portuguesa é célebre. Celebremos a simpatia portuguesa.