Enquanto o incêndio na Serra da Estrela consome há 13 dias o parque natural da região (já ardeu quase um quarto), vamos aos números. Até 16 de Agosto, o país viu arder cerca de 85 mil hectares, que é o número mais alto de área ardida desde 2017, ano terrível no qual arderam 564 mil hectares (mais de metade de toda a área ardida na UE nesse ano). Portugal é, neste momento, o país da União Europeia com maior percentagem do seu território com área ardida em 2022: quase 1% (0,92%). Para comparação: Espanha (0,54%), Croácia (0,56%), Roménia (0,63%) e Grécia (0,17%) estão muito longe de atingir semelhante escala.

Se se comparar 2022 com períodos anteriores, temos atualmente mais área ardida do que a média dos últimos 15 anos (2006-2021): a 13 de Agosto 2022, contavam-se 75 mil hectares ardidos, muito acima da média referida para a mesma data (43 mil hectares). As previsões para os próximos dias não são animadoras e é provável que a contagem da área ardida continue velozmente a subir — com ar seco, céu limpo e vagas de calor, o risco de incêndios eleva-se.

Nada disto é inédito. Pelo contrário, tudo isto está integrado numa malograda rotina: as chamas pertencem infelizmente à nossa paisagem. Nos últimos 10 anos, 2022 é (até ao momento) o 4º ano com maior área ardida, ultrapassado por 2013, 2016 e 2017. Se recuarmos na linha cronológica até 1990, nestes 33 anos (1990-2022) observa-se que o ano actual se classifica em 16º lugar no ranking da área ardida. Ou seja, está a metade da tabela, mostrando que nada disto pode ser tido como surpreendente e inesperado.

A pergunta que se impõe é esta: como justificar que, ano após ano, tudo arda? Muita gente tem respondido com as condições meteorológicas e o seu agravamento por via das alterações climáticas — seca extrema, mais vagas de calor no Verão e temperaturas médias mais elevadas por ano. Adoptar esse discurso com meias-verdades soa a impotência — como se nada pudesse ser feito, o que é falso.

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Existe uma dependência entre a meteorologia e o risco de incêndios? Obviamente. Mas a missão das autoridades públicas consiste em minimizar ou quebrar essa dependência: planear durante o ano e ter dispositivos de resposta adequados, de modo que o território não fique à mercê de uma vaga de calor, olhando para as chamas como uma inevitabilidade natural. Ora, nada disso tem sido feito. Pior: nada disso será feito.

Se o leitor tiver dúvidas, perdê-las-á assim que escutar o primeiro-ministro no seu ritual anual de desresponsabilização. Primeiro, lembrando as condições meteorológicas adversas (como se tal fosse justificação). Segundo, prometendo (mais) um grupo de trabalho, desta vez para “estudar” o incêndio na Serra da Estrela, cujas conclusões aparecerão em Outubro — um timing perfeito, já que ninguém irá discutir o que seja sobre incêndios durante o Outono e com o Orçamento de Estado na mesa das negociações. Para quem conhece os timings mediáticos e da política, fica evidente a prioridade da acção governativa: matar o assunto.

Tem sido assim desde 2016. António Costa é um político em fuga, sempre a escapar às suas responsabilidades e com um talento inigualável para abafar os problemas da governação. Pena que, enquanto os abafa, nada resolve — e continuam a ser adiadas todas as reformas estruturais (palavra maldita) neste sector, como noutros. Há dias, o climatologista Carlos da Câmara explicava: Portugal mantém “uma dependência excessiva nas condições meteorológicas” e, a menos que tratemos dela, “será a natureza a tratar de nós”. Não é preciso ser-se bruxo para adivinhar o que irá acontecer.