Nas últimas semanas, o debate europeu oscilou entre a criação um exército comum e a dissolução da União como decorrência fatal das decisões do Tribunal Constitucional da Polónia. É uma amplitude notável, especialmente quando se repara que nenhuma das possibilidades é exatamente provável.

A União não está para se armar nem para acabar, mas também não se consegue perceber exatamente para o que está. Ao contrário do que defendiam as primeiras reações, são estas discussões que alimentam “as bases” do europeísmo, que o legitimam de forma visível. Com um acórdão, o tribunal polaco conseguiu encher as ruas do país com manifestações de recém-descobertos fervorosos apoiantes da União Europeia e deixou o seu governo numa posição dificilmente coerente, a tentar ultrapassar o bloqueio dos fundos de recuperação recorrendo ao mesmo tribunal que internamente pretende esconjurar. Sem adversários, as instituições de Bruxelas acabam por mirrar sob o peso da sua complexidade; por outro lado, sempre que encontram um alvo, a força da burocracia revela-se um instrumento temível.

Há vários anos que parte (a parte atualmente mais forte) da direita polaca tenta moldar a União Europeia a um conservadorismo que lhe é estranho. O Lei e Justiça, o partido de governo, foi o maior dos aliados do partido eurocético que David Cameron tentou integrar no Parlamento Europeu. Perdidos os britânicos, os polacos foram muitas vezes o parceiro júnior do Grupo de Visegrado, uma agremiação que funciona impecavelmente como força de bloqueio à campanha europeia pelo Estado de Direito, mas que nunca conseguiu grande eficácia na discussão quotidiana das grandes e pequenas políticas comunitárias.

O lugar da Polónia na União Europeia nunca foi estático e tem variado entre esses dois pontos, com resultados confusos e nem sempre valiosos. Os polacos são maioritariamente favoráveis à pertença europeia, gostam da América e desconfiam da esquerda. A Polónia é o grande país e a grande economia do Leste e, com o tempo, a ambição de moldar a política comunitária parece destinada a concretizar-se, de uma forma ou de outra. Como os últimos anos têm mostrado, não há vontade popular ou condições políticas para sair da União, mas há um grande interesse em influenciar por dentro.

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É por isso que a vida do governo polaco piora com uma decisão judicial aparentemente favorável. A partir daqui, sobra menos margem para intervir no centro, recrutar aliados e formar maiorias com capacidade de aprovar e não só vetar. Os próximos tempos incluem discussões judiciais e políticas sobre os fundos que a Comissão Europeia pretende reter para disciplinar os polacos – provando que é possível dar um preço ao incumprimento de princípios basilares, uma punição que se pode revelar útil para uma futura conciliação –, entrando-se no tipo de litígio que só Bruxelas sabe ganhar.

O cemitério da política está carregado de governos, da esquerda à direita, de Tsipras a Cameron, que se decidiram a enfrentar o consenso europeu sem perceber inteiramente o que estavam a combater. Nadar contra a corrente até pode ser admirável pela coragem, mas não é maneira de chegar a outro lado.

João Diogo Barbosa, jurista (@jdiogospbarbosa no Twitter), é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, Madalena Meyer Resende e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00.

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