Mudar é um número infinitamente grande de inúmeros quase-nada que, depois de se juntarem de forma aleatória, nos surpreendem com aquilo que somos capazes de fazer sem dar por isso.

Mudamos! Não temos como não mudar. Mas parecemos viver tão distraídos da mudança que, regra geral, somos resistentes em relação a ela. Como se a mudança só acontecesse quando somos “obrigados” a mudar. “Obrigados” a escolher, a empreender e a refazer. Obrigados a reconstruir e a transformar. Como se viver enquanto se aprende e aprender porque se vive fosse tão talhado para os desequilíbrios que precisássemos de parar para pensar. E para mudar.

É por isso que estranho a distinção que fazemos entre fazer pela vida e refazer a vida. Fazer pela vida representa mandar na vida. Com garra e com engenho. Com galhardia e com paixão. Fazer pela vida é realizar. É ir atrás dos sonhos. É engendrar um projecto e erguê-lo, peça a peça, com delicadeza e com carinho. Refazer a vida é a forma minimalista de dizermos que, depois duma separação, alguém terá elegido outra pessoa com quem decidiu viver. Pressupõe mudar de rumo. Começar de novo. E tentar ser feliz; outra vez.

Visto assim, fazer pela vida ou refazer a vida não deviam ser formas de falarmos de grandes mudanças. Mas, tão só, do dia a dia. É difícil imaginar que se faça pela vida sem se refazer a vida. E que se refaça a vida sem se fazer pela vida. A vida é, toda ela, uma permanente reconstrução. Logo, fazer pela vida e refazê-la acabam por não se distinguir. São formas peculiares de falarmos da vivacidade. E a vivacidade será o que resulta dos inúmeros quase-nada que nos trazem todas as mudanças de que somos capazes sem dar por isso.

Começar de novo e começar do zero: é aí que mora a batotice. Refazer a vida nunca será começar do zero. Mas recomeçar. Um vez. Outra vez. Outra e outra vez.  Então, se refazer a vida não “obriga” a uma grande mudança, como podemos ser hospitaleiros com a vida e esperar que ela seja amável para connosco se não entendemos que a nossa “zona de conforto” começa quando acolhemos o seu perpétuo movimento e aceitamos a mudança como o primeiro domingo de redenção, depois da lua cheia que, todos os dias, ela nos traz?

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