Criticado por estar ausente do país com Portugal a arder, o primeiro-ministro respondeu que estava de consciência tranquila, já que o país “tinha um primeiro-ministro, António Costa”. A declaração data de Agosto de 2005 e quem a fez foi alguém conhecido pelo nome de José Sócrates. A apetência pelo veraneio é humana, tão humana que o então primeiro-ministro substituto, tornado primeiro-ministro efectivo passados alguns anos, em Julho de 2017, no rescaldo dos incêndios de Pedrogão (66 mortos e mais de 250 feridos, lembram-se?) e do assalto a Tancos, partiu em direcção ao acolhedor sol de Maiorca, deixando também ele um primeiro-ministro substituto, Augusto Santos Silva.

Estes dois homens, conhecidos pela sua natural humildade, têm o traço comum de não se considerarem indispensáveis a Portugal. Abnegados servidores da pátria, acreditam que os melhores de que sabiamente se fizeram acompanhar na governação do país (António Costa no caso de José Sócrates, Augusto Santos Silva no de António Costa) têm todas as qualidades que eles próprios possuem. Gente desprendida é outra coisa… O importante é manter ininterrupta a corrente dourada da governação, sublinhada pela presença do referido Augusto Santos Silva e de vários outros membros do escol socialista nos dois governos.

É claro que, por uma vez ou outra, é necessário simular, contra as mais profundas tendências do seu ser mais íntimo, a convicção da indispensabilidade da sua pessoa. Assim, António Costa fez recentemente saber que não tira férias de primeiro-ministro e que, por isso, heroicamente abdicará, se tal se justificar, de um dia de campanha eleitoral para se deslocar aos Açores, para ali acompanhar a passagem do furacão Lorenzo. As insuportáveis más-línguas não se coibiram de sugerir, como já havia acontecido com o desaparecimento por causa de umas danadas dores musculares uns dias antes, que tais ausências da campanha se deviam ao desejo de se furtar a perguntas incómodas sobre um possível envolvimento pessoal na fantochada de Tancos, em que o reluzente cérebro do ex-ministro Azeredo Lopes se encontra, ao que parece, comprometido até ao pescoço. As pessoas são assim: querem aproveitar tudo em benefício do seu clube político. Mas basta pensar que até alguém como José Sócrates, o tal de quem António Costa foi primeiro-ministro substituto, foi, e continua sendo, na sua elevada linguagem, alvo de “velhacarias” sem nome. E se isso aconteceu a essa encarnação maior da probidade e da magnífica estirpe moral que é José Sócrates, como não aconteceria a seres humanos apesar de tudo mais falíveis, como, por exemplo, António Costa? Não, decididamente não é para levar a sério.

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