Se era para isto, para chegarmos aqui, porque perdemos cinco meses e meio? Por que se sujeitou a Grécia a uma agonia agravada, deixando-a hoje em muito piores condições económicas e financeiras do que estava no início do ano? Por que se acelerou o processo de desacreditação da União Europeia e da governação do euro, abrindo feridas que não se sabe quando e como podem ser saradas?

Para quê? Temos a certeza que o euro, este euro, foi salvo? Será que a Grécia tem condições para lá continuar por muito tempo? Este modelo de União Económica e Monetária pode sobreviver ou morreu nos últimos meses?

Para já, temos de ser claros e não ter medo das palavras. O governo grego capitulou em toda a linha. Jogou, ameaçou, fingiu, desafiou, insultou, arriscou e, no fim, percebeu-se que tudo não passou de um enorme “bluff”. O Syriza ameaçou ser a arma de destruição maciça do euro, o bombista-suicida que poderia fazer implodir o euro e uma parte do projecto europeu se as suas condições não fossem aceites. Afinal, a última coisa que Atenas queria era sair do euro. Afinal, a última coisa de que Atenas pode prescindir é do financiamento dos restantes países do euro para sobreviver. Afinal, o único plano económico e financeiro que Tsipras tem desde o início é pedir dinheiro aos mesmos de sempre pelo menor encargo possível. E quando não se tem um plano B, quando não se está verdadeiramente disposto a virar o tabuleiro do jogo e sair porta fora, quando não se sabe o que fazer se aquela negocição falhar mesmo não se coloca a fasquia à altura que Atenas a colocou.

A Grécia apostou no “agarrem-me senão eu saio do euro”. Ninguém a agarrou, antes pelo contrário: na maratona negocial de domingo os 18 abriram a porta do Grexit. E a Grécia não saiu, obviamente. Depois foi só colocarem em cima da mesa o preço a pagar para ficar. E a Grécia pagou.

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O governo de Alexis Tsipras incorreu, desde o início, num erro fatal: escolheu o alvo errado. Apontou baterias à União Europeia, às suas instituições, aos parceiros e credores, às regras da moeda única, à generalidade dos outros governos do euro. Jogou a democracia grega contra todas as outras. Quis fazer crer que o problema da Grécia começava e acabava na Europa e no desastrado resgate financeiro. Munido dessa crença, quis reformar a Europa à força e à sua maneira.

Enganou-se. Deveria, antes de mais nada, apontar baterias às insuficiências gregas, às suas instituições que funcionam mal, à corrupção e fuga fiscal, aos pequenos e grandes interesses que vivem ilegitimamente do Estado, à generalidade dos governos gregos do passado que levaram o país à ruína. Mas não o fez.

Isto não podia ser este governo grego contra todos os outros governos da zona euro. Isto só podia ser este governo grego contra todos os outros governos gregos do passado. Porque a Grécia tem que ser reformada para sobreviver na zona euro. Mas o Syriza quis fazer o caminho ao contrário: mudar as regras da zona euro para manter o “greek way of life”. Não podia acabar bem, como não acabou.

Mas os restantes países do euro também não estiveram bem nesta recta final das negociações. Depois do pedido de terceiro resgate feito por Atenas, em que o Syriza estava já disposto a aceitar o essencial de medidas que sempre rejeitou, os parceiros europeus podiam e deviam ter sido generosos. Ao decidirem trocar a magnanimidade pela severidade, apesar desta ter sido aceite por Atenas, podem ter contribuido para a ingovernabilidade da Grécia a curto prazo. E isso não é bom para o país, para a moeda única nem para a Europa.

O acordo que saiu da maratona negocial de chefes de Estado e de Governo tem ainda de passar por um calvário antes de se transformar num terceiro programa de resgate que pode chegar aos 86 mil milhões de euros – o que, a verificar-se, eleva a “factura” grega para quase 330 mil milhões de euros mais cerca de 100 mil milhões de perdão de dívida.

Há seis países que têm que aprovar o novo empréstimo à Grécia nos seus parlamentos – França, Finlândia, Alemanha, Áustria, Eslováquia, Estónia e Letónia. Mas antes disso, o Parlamento grego que de aprovar o essencial das medidas nele previstas. E aqui o que deverá acontecer é, no mínimo, insólito: uma união de deputados da oposição deverá aprovar maciçamente propostas apresentadas por um governo que assistirá a  uma deserção acentuada nas suas bancadas.

Teremos, então, um governo a aplicar uma série de medidas que aceitou contrariado, que foram aprovadas pela oposição, mas que são duramente rejeitadas por uma parte importante da sua base de apoio. Vai funcionar? É um caminho sustentável para a severidade que um programa de austeridade tem sempre? Se os anteriores resgates não funcionaram este vai resultar? A Grécia não permite que se alimente qualquer optimismo.

Outra questão importante é o apoio popular ao governo do Syriza. Com o acordo aceite na madrugada desta segunda-feira, Tsipras viola grosseira e duplamente as suas promessas e compromissos eleitorais: as que resultaram da eleição de 25 de Janeiro, onde prometeu acabar com a austeridade, recusar qualquer novo programa de ajuda financeira, acabar com a troika e renegociar a dívida; e o resultado do referendo de há uma semana. É o que dá quando se recorre à democracia mais como tática política de curto-prazo do que como instrumento nobre de consulta dos eleitores. Talvez os que descobriram nos últimos meses que a Grécia é a única democracia no mundo nos possam agora esclarecer como olham para este acordo à luz dos resultados de um referendo feito há apenas uma semana.

A ingovernabilidade da Grécia é, assim, um cenário real que pode estar ao virar da esquina, o que torna tudo ainda mais arriscado.

São demasiados “ses” para não olhar para este “acordo consensual” como apenas mais uma “compra de tempo” até se encontrar uma solução para a Grécia que dificilmente será encontrada dentro do euro, pelo menos dentro deste euro com estas regras.

A Grécia é o primeiro país a demonstrar para quem queira ver sem margem para dúvidas que nem todos estão aptos a sentar-se e acompanhar a pedalada desta bicicleta colectiva. Ou se mudam as regras do euro para os acomodar ou se deixam pelo caminho alguns dos ciclistas.

O problema é que a mudança de regras – mais flexíveis, com maiores transferências de recursos entre países, com mecanismos formais que acudam a economias em desequilíbrio – não é fácil de aceitar nos países mais disciplinados. É compreensível que qualquer contribuinte na Alemanha, na Finlândia, em França ou na Áustria leve imediatamente a mão à carteira para a proteger quando ouve falar neste tipo de “solidariedade” europeia.

Para já, a única coisa que se conseguiu foi evitar uma saída precipitada e não controlada de um país. Ganhou-se tempo para repensar a arquitectura da União Económica e Monetária, que todos sabiam ter nascido “coxa” mas fingiam não perceber. Porque, está mais do que visto, isto não é modo de vida para ninguém. Nem para os cumpridores e competitivos, nem para os que entraram no euro à procura do “almoço grátis” que, afinal, não existe. Isto não é um fim. É apenas mais um princípio de qualquer coisa.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com