Nos últimos anos, mais precisamente, desde 2015, que o centro-direita em Portugal tem vindo a enfrentar problemas eleitorais e de estratégia política. Dir-me-ão que Pedro Passos Coelho ganhou as eleições de 2015 contra todas as probabilidades e depois de um período muito difícil. De facto, é indiscutível que a coligação PSD-CDS obteve mais votos do que o PS. Foi surpreendente. No entanto, esta vitória teve consequências gravosas para a direita. Por um lado, criou o mito de Passos Coelho, o desejado, que alimentou jornais e conversas de bastidores durante anos, criando graves problemas ao partido. Por outro lado, o PSD continuou sem perceber exactamente que perdeu 700.000 votos entre 2011 e 2015 e que, até hoje, não mais voltou a recuperar níveis de votação que tinha há uma década.

A chegada de Rui Rio ao poder, um líder, sem dúvida, idiossincrático e com pouca paciência para a comunicação social, foi negativa para o partido. Sem a ajuda do Expresso, não há líder que sobreviva. O motivo pelo qual acho que Rio foi negativo para o PSD é, contudo, diferente da maioria dos comentadores. Em minha opinião, Rio foi nefasto para o partido porque impediu de colocar a nu todas as suas fragilidades programáticas e estratégicas. Servindo como bode expiatório para todos os males do partido, e sendo-lhe, naturalmente, assacadas todas as derrotas eleitorais, Rio serviu como ponte entre a saída de Passos, em 2017, e a chegada ao poder de Montenegro, em 2022. Tudo o que se passou pelo meio, dizem-nos, é culpa de Rio. Em minha opinião, esta é uma visão completamente errada. De resto, no sábado passado, vários comentadores saudaram a chegada de Montenegro como uma espécie de regresso ao passado que permitiria ao PSD tornar-se, novamente, partido catch all da direita Portuguesa. Os anos trágicos de 2015-2022 nunca aconteceram. O PSD está, agora, na rota do sucesso. Creio que este pensamento mágico está muito longe da verdade.

  1. A Direita Portuguesa mudou completamente nos últimos anos. A competição partidária à direita, tipicamente dominada por PSD e CDS, tem agora dois partidos novos e crescentemente fortes. O aparecimento de Iniciativa Liberal e Chega foi um acontecimento independente da liderança do PSD, que aconteceria de qualquer forma. Naturalmente que, não existindo contrafactuais no mundo real, nunca poderemos confirmar esta hipótese. Todavia, olhando para as mudanças nos sistemas partidários Europeus, a fragmentação partidária à direita tem sido a regra. Não existem quaisquer motivos para pensar que o mesmo fenómeno não se replicaria em Portugal. Aconteceu mais tarde, como o costume, mas não deixou de chegar cá.
  2. O desaparecimento do CDS é, de resto, a maior prova desta mudança à direita. Um partido fundador da democracia, deixou, em 2022, pela primeira vez, de ter representação política na Assembleia da República. Apesar de não ter Rui Rio na liderança, fonte, garantem-nos, de todos os males da Direita, o CDS também foi fortemente penalizado. Dir-me-iam que a culpa é de Francisco Rodrigues dos Santos. Não querendo enjeitar alguma imaturidade política do último líder do CDS, a verdade é que, entre 2015 e 2019, Assunção Cristas conduziu o partido a uma estrondosa derrota eleitoral, passando de 18 para 5 deputados. É certo que, mediaticamente, não tem o mesmo peso que o desaparecimento do partido do parlamento. Todavia, o que aconteceu no CDS entre 2015 e 2022 dá-nos pistas mais genéricas sobre a erosão de votos à direita tradicional, que foram, naturalmente, aproveitados pelos novos actores políticos.
  3. A total ausência mediática da corrida à liderança do PSD sugere que o partido está a perder importância na sociedade Portuguesa. É certo que há temas fortíssimos na comunicação social que competem pela atenção dos Portugueses. No entanto, é notável que, literalmente, ninguém quisesse saber da contenda entre Montenegro e Moreira da Silva. Mais do que Rio, isto, sim, deveria fazer as elites do PSD ponderar bem o que pretendem para os próximos anos.
  4. Li com detalhe as moções de ambos os candidatos à liderança do PSD. Num momento em que Portugal atravessa uma das mais sérias crises das últimas décadas, possivelmente pior do que a de 2011, apesar de parecer menos dramática, ambos os candidatos não vão para lá de um conjunto de lugares-comuns que se destinam unicamente a animar as bases.
  5. A juntar-se a tudo isto, o PSD prepara-se para uma longa travessia do deserto sem líder no parlamento. Não tinha de ser assim. Montenegro, por exemplo, foi convidado por Rio para concorrer em lugar elegível. Escolheu não participar na eleição, possivelmente por birra e para abrir ainda mais as brechas dentro do partido. É impossível que em Janeiro não pensasse já em concorrer à liderança do partido quando Rio perdesse. Foi pena ter perdido a oportunidade de mostrar que tinha estaleca de estadista, participando na eleição liderado por um antigo adversário interno, o que o colocaria agora numa posição muito mais confortável para enfrentar António Costa.

O centro-direita enfrenta tempos difíceis. Com Rui Rio fora, acabar-se-ão as desculpas para as derrotas e as dificuldades. Durante algum tempo durará o mantra da herança (“a culpa é do Rio”). Quando chegarmos às Europeias de 2024, contudo, não poderá haver mais desculpas. O PSD precisa de tornar-se um partido forte, com quadros intelectuais, na universidade, na comunicação social e com líderes na sociedade civil a nível local. Um regime sem oposição e de quasi-partido único, aquilo em que Portugal se está a transformar ajudado por Marcelo Rebelo de Sousa, não tem futuro.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR